Revista Brasileira de Inteligência
Número 11, dezembro 2016, ISSN 1809 - 2632

PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA
Revista Brasileira de Inteligência
ISSN 1809-2632
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Presidente Michel Miguel Elias Temer Lulia
GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA
Ministro Sérgio Westphalen Etchegoyen
AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA
Diretor-Geral Janér Tesch Hosken Alvarenga
SECRETARIA DE PLANEJAMENTO, ORÇAMENTO E GESTÃO
Secretário Antonio Augusto Muniz de Carvalho
ESCOLA DE INTELIGÊNCIA
Diretor Luiz Alberto Santos Sallaberry
Editor
Eva Maria Dias Allam
Comissão Editorial da Revista Brasileira de Inteligência
Alberto Emerson Werneck Dias; Ana Beatriz Coelho Pereira; Ana Maria Bezerra Pina; Daniel Almeida de Macedo; Erika França de Souza Martins; Eva Maria Dias Allam; Fábio de Macedo Soares Pires Condeixa; Marcos Cesar Gonçalves Silvino; Olívia Leite Vieira; Paulo Roberto Moreira; Roniere Ribeiro do Amaral.
Capa
Carlos Pereira de Sousa
Editoração Gráfica
Giovani Pereira de Sousa
Revisão
Caio Márcio Pereira Lyrio; Orlando Alvarez de Souza
Catalogação bibliográfica internacional, normalização e editoração
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Tiragem desta edição: 200 exemplares.
Impressão
Gráfica – Abin
Os artigos desta publicação são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões emitidas não exprimem, necessariamente, o ponto de vista da Abin.
É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que citada a fonte. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência.
– n. 11 (dez. 2016) – Brasília : Abin, 2005 –
93 p.
Semestral
ISSN 1809-2632
1. Atividade de Inteligência – Periódicos I. Agência Brasileira
de Inteligência.
CDU: 355.40(81)(051)
Sumário
5 Editorial
7 A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS NAS ÁREAS DE
INTELIGÊNCIA E DE INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL: um debate necessário
Peterson Ferreira da Silva
19 ACCOUNTABILITY E O CONTROLE FINANCEIRO DAS ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA: uma revisão teórica
Ricardo Farias Galassi
31 OPERAÇÕES ÁGATA NO ARCO SUL DO BRASIL: uma análise sob a lente da Inteligência
Paulo Ubirajara Mendes
47 FERRAMENTA DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS PARA O USO DA INTELIGÊNCIA
Fábio Nogueira de Miranda Filho
67 COMÉRCIO INTERNACIONAL E INTELIGÊNCIA DE ESTADO: identificando ameaças e oportunidades
Leonardo Lins Scuira
79 O SISTEMA DE INTELIGÊNCIA PENITENCIÁRIA E A ANÁLISE E O
MONITORAMENTO DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS ATUANTES EM SANTA CATARINA
Rosane Fioravante e Antônio Marcos Feliciano

Editorial
Os últimos anos têm sido profícuos em assuntos de Inteligência, tanto no Brasil quanto no restante do mundo. No plano internacional, vários fatos mereceram destaque nessa área, como os vazamentos do Wikileaks, ações terroristas em todos os continentes, a revelação do projeto Prisma do governo norte-americano, entre outros.
Paralelamente, no Brasil tivemos a ocorrência dos Grandes Eventos, como os jogos Olímpicos e Paraolímpicos, a Copa do Mundo, a Copa das Confederações, a Jornada Mundial da Juventude e a Rio+20. Esses eventos despertaram a atenção de organi- zações envolvidas com a Atividade de Inteligência, dados os riscos para a segurança que os acompanharam.
Outro problema recorrente e que tem gerado esforços continuados e conjuntos por parte dos órgãos de segurança e de Inteligência no País relaciona-se ao aumento da criminalidade em território brasileiro.
Como resposta a essas ameaças, o Estado brasileiro tem criado mecanismos para a aprimorar o exercício da Atividade de Inteligência, a exemplo das recentes publicações da Política Nacional de Inteligência e da Lei Antiterrorismo, ambas no decorrer do presente exercício. Essas medidas ampliam o rol das ações governamentais que visam, ao mesmo tempo, a minimizar as consequências desses flagelos e a combate-los de forma mais efetiva. Entre essas destacam-se a deflagração das chamadas Operações Ágata, envolvendo segmentos militares, policiais e de Inteligência visando a prevenir e combater ilícitos nas regiões de fronteira do País, bem como a aprovação do Regimento Interno da Comissão Parlamentar dedicada ao controle da Atividade de Inteligência.
É nesse contexto que se concretiza o lançamento da presente edição da Revista Bra- sileira de Inteligência, com artigos que, além de abordarem os temas acima referidos, se enveredam por avaliar outras questões de grande relevância para a Atividade de Inteligência, passando por abordagens relacionadas à produção do conhecimento em Inteligência e à accountability financeira dessa atividade, além de reflexões sobre amea- ças e oportunidades relativas ao comércio internacional brasileiro e reformas em setor de Inteligência Penitenciária de governo regional. Embora esses últimas temáticas pos- suam menor visibilidade midiática, são de grande relevância para todo aquele que se dedica à Atividade de Inteligência ou simplesmente se interessa por ela.
Esperamos, com este número, enriquecer o debate nessa área tão abrangente e fasci- nante que é o mundo da Inteligência e desejamos a todos uma boa leitura!

Luiz Alberto Santos Sallaberry Diretor da Esint
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A RELAÇÃO ENTRE POLÍTICAS PÚBLICAS NAS ÁREAS DE INTELIGÊNCIA E DE INDÚSTRIA DE DEFESA NO BRASIL: um debate necessário
Peterson Ferreira da Silva *
“I suppose that if we in intelligence were one day given three wishes, they would be to know everything, to be believed when we spoke, and in such a way to exercise an influence to the good in the matter of policy”
Sherman Kent 1
Resumo
Oobjetivodesteartigoédiscutirarelaçãoentreaspolíticaspúblicasdelineadasparaas áreas deinteligênciadeEstadoedeindústriadedefesanoBrasil.Nasúltimasdécadas,o acelerado avançotecnológicodasTecnologiasdeInformaçãoedeComunicação(TICs)suscitou diversas consequênciasparaaatividadedeinteligênciadeumaformageral.Contudo,emborao fortale- cimentodomésticodedeterminadoscampostecnológicossejadefundamentalimportância não sóparaaáreadedefesanacional,mastambémparaadeinteligênciadeEstado,observa-se que odebatesobreessarelaçãotemsedesenvolvidoaindadeformaincipienteno Brasil.
O acelerado avanço tecnológico e a ativi-
dade de inteligência na atualidade
Atualmente, são visíveis as consequ-
ências do acelerado avanço tecno- lógico para a atividade de inteligência 2
em vários países, especialmente no que se refere às Tecnologias de Informação
e Comunicação (TICs). Hoje, satélites e plataformas aéreas, por exemplo, forne- cem diversos tipos de dados geoespa- ciais, assim como possibilitam comuni- cações em tempo real. Tais informações
* Doutor em Relações Internacionais (IRI-USP) e, atualmente, pesquisador associado ao Labo- ratório de Estudos das Indústrias Aeroespaciais e de Defesa (LabA&D/UNICAMP) e ao Centro de Estudos Estratégicos do Exército Brasileiro (CEEEx/EME).
1 ‘ShermanKentandtheBoardofNationalEstimates:CollectedEssays’–‘Estimatesand in- fluence’. StudiesofIntelligence, Summer 1968. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/ center-for-the-study-of-intelligence/csi-publications/books-and-monographs/sherman-kent-and- -the-board-of-national-estimates-collected-essays/4estimates.html >. Acesso em: 09 jul. 2016.
2 Neste artigo, atividade de inteligência será entendida como o “exercíciopermanentede ações especializadas,voltadasparaaproduçãoedifusãodeconhecimentos,comvistasao asses- soramentodasautoridadesgovernamentaisnosrespectivosníveiseáreasdeatribuição, para

oplanejamento,aexecução,oacompanhamentoeaavaliaçãodaspolíticasdeEstado” (De- creto nº 8.793, de 29 de junho de 2016, o qual fixa a Política Nacional de Inteligência – PNI), em suas acepções estratégica, tática e operacional.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016 7
Peterson Ferreira da Silva
podem ser utilizadas nas mais distintas atividades militares e civis, como vigilân- cia de fronteiras, monitoramento agríco- la, planejamento territorial e atuação con- tra crimes ambientais, constituindo-se um campo em expansão inclusive no Brasil. 3
lidades e ameaças. O emprego de Veí- culos Aéreos Não Tripulados (VANTs), por exemplo, ganhou notoriedade pelo seu papel nos conflitos no Iraque e no Afeganistão e pela polêmica envolvendo o assassinato seletivo de indivíduos asso-
Outro fator importante é
a diversidade de soluções tecnológicas disponíveis no mercado internacional para os segmentos de segurança e defesa, como sistemas de radiocomunicação criptografados, de videomonitoramento e de geo-informação (ex. georreferenciamento de ocorrências e de viaturas), além de serviços de processamento como sintetizadores para análise de filmagens, de mineração de dados (data mining), de segurança de redes e de extração de informações de câmeras, computadores e celulares.
Incrementos tecnológicos, no entanto, também podem gerar novas vulnerabi-
ciados ao terrorismo. Cabe destacar que o emprego dessa plataforma também exigiu mudanças conceituais e organiza- cionais importantes, como maior coope- ração interagências entre as atividades militares (ex. operações especiais) e as de inteligência (ex. targeting officers). 4
Contudo, conforme os VANTs vão cada vez mais se difundindo para atividades comerciais civis variadas (ex. entreteni- mento), multiplicam-se tentativas não só de se contrapor a tal tecnologia,5 mas também de empregá-los, por exemplo, em atividades ilegais e em atentados (BOYLE, 2015; OGURA, 2015).
No mesmo sentido, a profusão dos smartphones vem transformando o co- tidiano de pessoas em todo o mundo, propagando fotos e vídeos por redes so- ciais, descortinando novas formas de de- senvolvimento de aplicativos e oferecen- do produtos e serviços personalizados via dados coletados sobre localização, rede de amizades, preferências e hábi- tos (MAOR, 2013). No entanto, ainda não estão claros os limites de coleta de
3 Consultar, por exemplo, Vasconcelos (2016) e as informações disponibilizadas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) sobre o Programa do Satélite Sino-Brasileiro de Re- cursos Terrestres (CBERS) < http://www.cbers.inpe.br/sobre_satelite/introducao.php >. Aces- so em: 06 jul. 2016.
4 O ataque bem sucedido, realizado em 2016, no Paquistão contra o líder do Taliban, Mullah Akhtar Mansour, ilustra como a interceptação de comunicações, o uso de dronese a com- binação de outras fontes de inteligência são capazes, atualmente, de alimentar operações militares. Ver, por exemplo, Entous e Donati (2016).
5 As interceptações de vídeos gerados por dronesno Iraque (GORMAN; DREAZEN; COLE, 2009) e as tentativas dos cartéis de drogas mexicanos de interferir em dronesutilizados pela agência norte-americana CustomsandBorderProtection(CBP) podem ser vistas como inte- ressantes exemplos nesse contexto (TUCKER, 2015).
8 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
A relação entre políticas públicas nas áreas de inteligência e de indústria de defesa no Brasil: um debate necessário
dados dos usuários por parte das empre- sas, levantando toda uma série de ques- tões sobre privacidade e sobre como tais informações podem ser utilizadas por companhias e, nesse contexto, qual seria o papel dos governos (SINGER, 2016).

Assim, por um lado, o avanço tecno- lógico beneficiou aparatos dedicados especificamente à inteligência de sinais (SIGINT) de países como os EUA (ex. National Security Agency – NSA) e o Reino Unido (ex. TheGovernment Com- munications Headquarters – GCHQ), expandindo o alcance dos serviços de inteligência das grandes potências oci- dentais praticamente para todo o mundo (ex. “FiveEyes”: Estados Unidos, Reino Unido, Austrália, Canadá e Nova Zelân- dia) (BAMFORD, 2008). Dado o aper- feiçoamento das ferramentas de análise de grandes volumes de informações on- line, o Pentágono, por exemplo, estuda substituir os regulares levantamentos de segurança em seus funcionários por ava- liações contínuas executadas por meio de buscas automáticas em diversas fon- tes, incluindo redes sociais (STERNS- TEIN, 2016). Por outro lado, as mes- mas condições que conferem vantagens frente a inimigos e oportunidades na cena internacional também ensejam vul- nerabilidades que tornaram possíveis os vazamentos perpetrados, por exemplo, por Bradley Manning (LEIGH, 2010) e Edward Snowden (GREENWALD; POI- TRAS; MACASKILL, 2013). Além dis- so, há crescentes possibilidades de que a disseminação de tecnologias mais mo- dernas ligadas à biometria (ex. reconhe-
cimento facial e de íris) contribua, por exemplo, para o comprometimento de agentes encobertos (STEIN, 2012).
Alguns dos desafios atuais
Por trás desses desdobramentos con- ceituais e organizacionais está toda uma gama de financiamentos governamentais e segmentos do setor privado de base tecnológica. Paradigmático nesse sentido é o trabalho realizado pela norte-ame- ricana Intelligence Advanced Research Projects Activity (IARPA),6 responsável por pesquisas de fronteira tecnológica de alto risco e de alto impacto no campo da inteligência. Outro fator importante é a diversidade de soluções tecnológicas disponíveis no mercado internacional para os segmentos de segurança e defe- sa, como sistemas de radiocomunicação criptografados, de videomonitoramento e de geo-informação (ex. georreferen- ciamento de ocorrências e de viaturas), além de serviços de processamento como sintetizadores para análise de filmagens, de mineração de dados (datamining), de segurança de redes e de extração de in- formações de câmeras, computadores e celulares. Combinadas, essas tecnologias podem compor, por exemplo, “sistemas de sistemas” integrados voltados à vigi- lância de fronteiras, ao monitoramento de sistemas de transporte, ao comando e controle no campo da segurança pública, à prevenção e mitigação de desastres (ex. enchentes e deslizamentos de terra) e à atividade de inteligência. Estima-se que somente o mercado global de cibersegu- rança, por exemplo, alcançará US$170 bilhões até 2020 (MORGAN, 2015).
6 Cf. IARPA <https://www.iarpa.gov/index.php/about-iarpa>. Acesso em: 17 jul. 2016.
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Peterson Ferreira da Silva
A relativa baixa capacidade estatal do país, em termos de políticas públicas, observada entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000 também pode ser apontada como um fator importante para se compreender o delineamento das estruturas de inteligência e de defesa ocorridas nesse período.
Esses desdobramentos do desenvolvi- mento tecnológico no nível global certa- mente não ocorrem sem tensões políti- cas. Nos EUA, por exemplo, o escândalo promovido por Edward Snowden atraiu a atenção para o debate sobre liberda- des civis, fomentando pressões a favor de um maior controle sobre as práticas de vigilância e de monitoramento empre- endidas por seus órgãos de inteligência (LANDLER; SAVAGE, 2014). Os EUA também foram palco, em 2016, de uma intensa discussão envolvendo o dilema entre segurança e privacidade, tendo como objeto a tentativa do Federal Bu- reauofInvestigation(FBI) de acessar as informações de um celular, produzido pela empresa norte-americana Apple
,
que pertencia à Syed Farook, o atirador do episódio ocorrido, em dezembro de 2015, em San Bernadino, Califórnia. Diante da recusa da Applede prover o acesso às informações do celular (o que poderia abrir precedentes e brechas para outros acessos), o FBI teria optado por pagar US$1.3 milhões para uma empre-
sa ainda não identificada para realizar o desbloqueio (YADRON, 2016).
Ademais, questões organizacionais tam- bém fazem parte das consequências do avanço da tecnologia para a atividade de inteligência. No Reino Unido, por exem- plo, há mais indicativos de que seu servi- ço de inteligência interno, o MI5, estaria coletando mais informações (seja por meios próprios ou por parceiros) do que sua capacidade de análise pode plena- mente acompanhar – deixando espaços para possíveis “falhas de inteligência” (GALLAGHER, 2016). Na França, são apontados fatores burocráticos e a falta de compartilhamento de informações entre suas organizações de inteligência como explicações para a incapacidade de detecção dos preparativos da série de ataques que assolaram o país entre 2015 e 2016 (SIMCOX, 2016).
“A revolução análoga”
De certa forma, os desafios trazidos para a atividade de inteligência pelo in- cremento e pela difusão das Tecnologias de Comunicação e Informação não são uma novidade em termos históricos. De acordo com Warner (2012), por exem- plo, o conjunto de transformações viven- ciado hoje nesse campo, definido por ele como uma “revolução digital”, pode ser comparado ao que a invenção do rádio e a utilização sistemática do reconheci- mento aéreo promoveram no contexto da I Guerra Mundial – o que Warner de- nominou de “revolução análoga” à atu- al.7 Essas duas invenções, seus graduais
7 “WorldWarIprecipitatedwhatmightbecalledthe‘analogrevolution’inintelligence.Before the inventionofradioandaerialphotography,intelligencecouldstillbeconductedinways essen-
tiallyunchangedsincethebeginningofhistory.” (WARNER, 2012, p. 138).
10 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
A relação entre políticas públicas nas áreas de inteligência e de indústria de defesa no Brasil: um debate necessário
aperfeiçoamentos e suas absorções con- ceituais e organizacionais deram origem às disciplinas mais comumente conheci- das como inteligência de sinais ( signals
efetivo possível, contemplando inteli- gência de imagens/geoespacial (IMINT/ GEOINT), de sinais (SIGINT), de in- terpretação de assinaturas (measures &
intelligence – SIGINT) e de imagens signalsintelligence– MASINT), humana
(imageryintelligence– IMINT), as quais foram expandidas e aprofundadas ao longo da Guerra Fria, impactando sobre- maneira a atividade de inteligência como um todo. Assim:
Transformações tecnológicas modelam e remodelam tanto as ameaças a um Estado
quanto as oportunidades apresentadas para este na arena internacional e, por- tanto, desempenham um papel na deter- minação dos alvos de inteligência e dos meios que a inteligência emprega (WAR- NER, 2012, p. 135 – tradução minha) 8
Ainda segundo Warner (2012, p. 152- 153), a assim denominada “revolução digital” em andamento beneficiaria os sistemas de inteligência9 que se adapta- rem mais rapidamente a essas mudan- ças e, mais especificamente, aqueles que melhor conseguirem explorar todas as fontes possíveis de inteligência (“ all- -sourceanalysis”), ou seja, tendo êxito em separar informações significativas e importantes em meio a um imenso vo- lume de dados e informações coletados.
Nesse contexto, de acordo com Wirtz e Rosenwasser (2010), tornam-se cada vez mais importantes os esforços dedi- cados à combinação das variadas dis- ciplinas de inteligência do modo mais
(HUMINT) e de fontes abertas ( open sourceintelligence– OSINT).
O caso brasileiro: as áreas de inteligência e defesa na agenda política
De uma forma geral, as áreas de Inte- ligência de Estado e de defesa nacional no Brasil, desde a Constituição de 1988, não estiveram entre as prioridades na agenda política. Contribuem para tal quadro o histórico de atuação do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), criado na Ditadura Militar brasileira (1964-1985), e a ausência de ameaças interestatais claras, com destaque para o fim das tensões entre Brasil e Argentina na década de 80.
A relativa baixa capacidade estatal do país, em termos de políticas públicas, 10
observada entre o final da década de 90 e o início dos anos 2000 também pode ser apontada como um fator importan- te para se compreender o delineamento das estruturas de inteligência e de defesa ocorridas nesse período (CEPIK, 2005). Afinal, após se arrastarem na agenda política praticamente por toda a déca- da de 90, somente em 1999 esses dois campos fundamentais para a segurança
8 “Technologicalchangeshapesandreshapesboththethreatstoastateaswellasthe opportu- nitiesavailabletoitintheinternationalarena,andthusitplaysaroleindeterminingthe targets
ofintelligenceandthemeansthatintelligenceemploys .”
9 Entendidos como “thecollectiveauthorities,resources,personnel,andtasksthatanation allo- catestousingsecretmeansagainstrealandpotentialopponents” (WARNER, 2012, p. 135).

10 Compreendidas neste trabalho tanto como diretrizes estruturantes, de nível estratégico, quan- to diretrizes de nível intermediário e operacional (SECCHI, 2013, p. 2-10).
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Peterson Ferreira da Silva
da sociedade e do Estado receberam novo impulso. Assim, foi sancionada a Lei Complementar nº 97, de 9 de junho de 1999, criando o Ministério da Defesa e estabelecendo a direção superior das Forças Armadas ao seu ministro. Poucos meses depois, a Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, instituiu o Siste- ma Brasileiro de Inteligência (SISBIN) e criou seu órgão central, a Agência Bra- sileira de Inteligência (ABIN). Ambos os campos, a partir de então, foram insti- tucional e paulatinamente amadurecidos, embora carecessem de direcionamentos políticos mais claros.
Defesa: a primeira END e a emergência dos “projetos estratégicos”
Sem dúvida o principal marco do deba- te sobre defesa nacional após a Cons- tituição de 1988 ocorreu no contexto do lançamento, em 2008, da primeira Estratégia Nacional de Defesa (END). 11
Esse documento foi elaborado focan- do em ações de médio e longo prazos, com o objetivo de modernizar toda a estrutura nacional de defesa. Para tan- to, foram estruturados três eixos: (1) reorganização das Forças Armadas, (2) reestruturação da indústria de defesa e (3) composição dos efetivos das Forças Armadas e, consequentemente, a defini- ção do futuro do serviço militar obriga- tório. Ademais, foram selecionados três setores decisivos para a defesa nacional: o cibernético, o espacial e o nuclear. A primeira END abriu caminho para um debate público substancial sobre a mo- dernização das Forças Armadas e, so- bretudo, para o aperfeiçoamento insti- tucional do Ministério da Defesa. A Lei
Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010, por exemplo, entre outras me- didas, fortaleceu a figura do ministro da Defesa e criou o Estado-Maior Conjun- to das Forças Armadas (EMCFA). Além disso, em 2012 ocorreu a atualização da Política Nacional de Defesa (PND) e da END, assim como o lançamento do primeiro Livro Branco de Defesa Nacional (LBDN), o qual definiu, em seu anexo II, o Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (PAED) (BRA- SIL, 2012, p. 246-253).
O PAED reuniu basicamente todas as principais demandas por produtos de defesa (bens e serviços) das três Forças Singulares (Marinha, Exército e Aeronáu- tica), originando um conjunto ambicioso de projetos considerados estratégicos para o país. Entre eles, encontravam- -se grandes “sistemas de sistemas”, isto é, complexos e bilionários projetos articulando diferentes equipamentos (ex. radares e torres de comunicação) e plataformas (ex. aeronaves, veículos e embarcações). Esses grandes projetos foram colocados sob a responsabilidade de Forças distintas, como o Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (Sis- GAAz – Marinha do Brasil), a Defesa Cibernética (Exército Brasileiro), o Siste- ma Integrado de Proteção de Estruturas Estratégicas Terrestres (PROTEGER – Exército Brasileiro), o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (SIS- FRON – Exército Brasileiro) e o Desen- volvimento e Construção de Engenhos Aeroespaciais (Aeronáutica), o qual, por sua vez, abrange a construção de satéli- tes geoestacionários.
11 Decreto nº 6.703, de 18 de dezembro de 2008.
12 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
A relação entre políticas públicas nas áreas de inteligência e de indústria de defesa no Brasil: um debate necessário
Certamente, um dos fatores em jogo é a distância entre o debate, no Brasil, sobre políticas públicas voltadas para a indústria de “defesa” e aquelas direcionadas à atividade de inteligência.
Os problemas da abordagem escolhida para a implementação desses “sistemas de sistemas” podem ser sintetizados e separados em dois níveis. Em primeiro lugar, considerando apenas o âmbito da defesa nacional, observa-se que a falta de um tratamento sistêmico e integrado desses projetos complexos contribuiu para a manutenção da duplicação de mobilizações tecnológicas, a falta de cla- reza no que se refere a priorizações (e, consequentemente, a falta de previsão de liberação de recursos no longo prazo) e a persistência de dificuldades no que tange à interoperabilidade entre as três Forças. Não por acaso, atualmente, o SisGAAz se encontra suspenso, o PRO- TEGER permanece aguardando maiores definições e o SISFRON teve seus pra- zos estendidos significativamente.12 Des- se modo, em vez de, por exemplo, esses projetos terem sido concebidos desde o início como uma “capacidade militar” in- tegrada, situada no nível interforças (ex. Intelligence,Surveillance, Reconnaissan- ce,Electronicwarfare,Space&Cyber), o que há de fato são estruturas descentra- lizadas de ciclos de vida e de gestão de projetos em cada uma das Forças, com claros impactos no que se refere à gestão e à interoperabilidade.

12 Mais detalhes em Silva (2015 e 2016).
Em segundo lugar, focando o aspecto da dinâmica interagências e compreen- dendo mais especificamente as áreas de inteligência, defesa e segurança pública, essa mesma fragmentação de concepção e implementação desses “sistemas de sistemas” também pode significar per- das de oportunidades para a otimização de esforços (e recursos). O SISFRON, por exemplo, pode se configurar em um importante instrumento de inteligência não só para o Exército Brasileiro, mas também para órgãos e agências, como a Polícia Federal, a Receita Federal e a própria ABIN, contra, por exemplo, os desdobramentos do crime organizado transnacional ao longo das fronteiras brasileiras. Já o PROTEGER pode se tor- nar um relevante aliado ao Sistema de Proteção ao Programa Nuclear Brasileiro (SIPRON).13 Para tanto, as diferentes ne- cessidades dos diversos órgãos e agên- cias devem ser levados em conta, desde o começo, na própria concepção desses projetos, a fim de explorar possibilidades tecnológicas e de contribuir para o for- talecimento da cultura de cooperação e integração interagências.
Assim, apesar de as Forças Armadas exer- cerem uma forte participação no SISBIN (podendo, portanto, compartilhar dados e informações coletados por variados meios, incluindo a Defesa Cibernética do Exército ou, futuramente, por exemplo, o SisGAAz da Marinha), não há como deixar de questionar os possíveis bene- fícios caso esses grandes projetos tives- sem sido coadunados, desde o início, para obter diversos dados e informações de inteligência de forma mais integrada
13 Instituído, na forma atual, pela Lei nº 12.731, de 21 de novembro de 2012.
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Peterson Ferreira da Silva
e compartilhada. Tal abordagem repre- sentaria, sem dúvida, um importante re- forço das capacidades, por exemplo, de GEOINT, SIGINT e MASINT existentes no SISBIN.
Certamente, um dos fatores em jogo é a distância entre o debate, no Brasil, sobre políticas públicas voltadas para a indús- tria de “defesa” e aquelas direcionadas à atividade de inteligência. Sob um exa- me mais atento, observa-se que há um conjunto de empresas capazes de aten- der demandas não só de “defesa”, mas também de inteligência e de segurança pública, perpassando inclusive outras políticas públicas, como as voltadas para as relações exteriores (ex. exportação de produtos de defesa); o desenvolvimento industrial (ex. geração de empregos); a Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I); a segurança pública (ex. armamentos e sistemas de comunicações) e a inteligên- cia (ex. aplicações em SIGINT, MASINT e GEOINT).
No contexto desse distanciamento, é simbólico que a área de defesa nacional tenha sido contemplada com um Regime Especial Tributário para a Indústria de
Defesa (RETID),14 embora desafios simi-
lares em relação a licitações sejam tam- bém constatados na área de inteligência (ex. buscar preenchimento das necessi- dades, com qualidade, menor preço/me-
lhor técnica e observando a promoção do desenvolvimento nacional):
“Se eu for comprar um sistema de segu- rança para a Abin e tiver de publicar um edital, no dia em que ele for divulgado eu perco a segurança. Se eu tiver de com- prar um software ou um hardware, é a mesma situação: há pessoas que vão sa- ber. Quando construímos um centro de inteligência para os Jogos Pan-America- nos de 2007, tivemos de licitar a cons- trução. O cara que se interessa pela lici- tação tem de saber qual é planta, qual é a metragem, o que vai funcionar em cada área. Isso tudo vai para a licitação.” (De- poimento atribuído ao diretor-geral da ABIN, Wilson Trezza, em reportagem de Peduzzi, 2015, da Agência Brasil - EBC).
Inteligência: desafios e perspectivas após a Política Nacional de Inteligência
É possível afirmar que, ao contrário, por exemplo, da área de defesa nacio- nal, a inteligência de Estado não ganhou mais espaço na agenda política brasilei- ra. Essa leitura pode ser reforçada por, resumidamente, duas observações. Pri- meiro, o fato de que, enquanto a defesa nacional, por exemplo, foi beneficiada com importantes incrementos institu- cionais nos últimos dez anos (ex. PDN de 2005,15 PNID de 2005,16 END de 2008, criação do EMCFA,17 RETID, 18
e PND, END e LBDN de 2012), ob- serva-se que a área de inteligência so- mente obteve um arcabouço mais claro
14 Lei nº 12.598, de 21 de março de 2012, a qual estabelece “normas especiais para as compras, as contratações e o desenvolvimento de produtos e de sistemas de defesa e dispõe sobre regras de incentivo à área estratégica de defesa”.
15 Política de Defesa Nacional - Decreto nº 5.484, de 30 de junho de 2005.
16 Política Nacional da Indústria de Defesa – Portaria Normativa nº 899/MD, de 19 de julho de 2005.
17 Lei Complementar nº 136, de 25 de agosto de 2010.
18 Lei nº 12.598, de 21 de março de 2012.
14 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
A relação entre políticas públicas nas áreas de inteligência e de indústria de defesa no Brasil: um debate necessário
de atuação no período 2013-2016 (ex. Regimento Interno da Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligên-
De toda forma, o rol amplo e comple- xo de ameaças priorizadas pela Política Nacional de Inteligência (PNI) (ex. es-
cia,19 “Lei Antiterrorismo”20 e Política pionagem, sabotagem, interferência ex-
Nacional de Inteligência21). terna, ataques cibernéticos, terrorismo,
O acelerado desenvolvimento tecnológico em escala global observado nas últimas décadas,
em especial no que tange às Tecnologias de Comunicação e Informação (TICs), não só abre mais possibilidades e oportunidades para a atividade de inteligência, como também amplia riscos e cria novas vulnerabilidades e ameaças.
Em segundo lugar, mesmo quando a polêmica mundial envolvendo vazamen- tos promovidos por Edward Snowden alcançou, em 2013, a presidente Dilma Rousseff e a Petrobras, configurando-se um quadro propício para o fortalecimen- to da atividade de inteligência no Brasil, observa-se que as atenções foram con- centradas, por exemplo, na implementa- ção do Centro de Defesa Cibernética do Exército Brasileiro (CDCiber) (MORAES, 2013) e no pedido do Ministério das Co- municações para que os Correios desen- volvessem um sistema de e-mail nacional no “intuito” de tornar mais difícil a espio- nagem e o acesso a dados de comunica- ção eletrônica de brasileiros (G1, 2013).
19 Resolução nº 2, de 2013-CN.
20 Lei nº 13.260, de 16 de março de 2016.

21 Decreto nº 8.793, de 29 de junho de 2016.
ADMs22 e criminalidade organizada) indica a necessidade de investimentos em estruturas, equipamentos e recursos humanos, com objetivo de ao menos buscar acompanhar o rápido passo do desenvolvimento tecnológico mundial, o qual possibilita, por exemplo, um vasto leque de opções (ex. difusão de meios de comunicações criptografados) para aqueles indivíduos e organizações, no Brasil e no exterior, que almejem ocultar ou mascarar ações adversas (ex. espiona- gem e terrorismo). Para tanto, torna-se fundamental o debate democrático, am- plo e plural sobre a questão abrangendo a viabilidade de expansão da capacidade da Inteligência brasileira em áreas como SIGINT e MASINT, com, obviamente, a inserção, no ordenamento jurídico na- cional, dos devidos instrumentos de am- paro às suas atividades.
Considerações finais
O acelerado desenvolvimento tecnológi- co em escala global observado nas últi- mas décadas, em especial no que tange às Tecnologias de Comunicação e Informa- ção (TICs), não só abre mais possibilida- des e oportunidades para a atividade de inteligência, como também amplia riscos e cria novas vulnerabilidades e ameaças.
22 Armas de Destruição em Massa (ex. química, biológicas e nucleares).
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Peterson Ferreira da Silva
Nesse quadro, é possível vislumbrar vantagens de uma maior intersetoriali- dade entre políticas públicas delineadas para a inteligência de Estado e para a indústria de defesa brasileira. Tal movi- mento pode compreender uma aproxi- mação institucional, por exemplo, entre iniciativas como o Programa Nacional de Proteção do Conhecimento Sensível (PNPC) e indústrias de defesa contem- pladas por auxílios da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investi- mentos (Apex-Brasil) para participarem de exposições no exterior. No mesmo contexto, grandes projetos gestados no âmbito do Ministério da Defesa pode- riam contemplar, desde o início, funcio- nalidades pensadas para a obtenção e o compartilhamento de determinados dados e informações, visando a atender
a necessidades de inteligência de forma mais integrada.
Assim, é possível afirmar que um dos legados significativos das experiências com os Grandes Eventos, como a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, é justamente o fortalecimento de uma cultura de cooperação e integração inte- ragências, por meio de iniciativas como o Plano Estratégico de Segurança Inte- grada (PESI) e a criação do Comitê In- tegrado de Enfrentamento ao Terrorismo (CIET), os quais, certamente, apontarão demandas por novos equipamentos, pro- tocolos e soluções tecnológicas.23 Afinal, um efetivo aparato de inteligência de Es-
tado depende dos contínuos esforços de se adaptar aos desafios e às oportunida- des proporcionados pelo desenvolvimen- to tecnológico global.
23 Com o objetivo de enfrentar possibilidades de atentados terroristas nas Olimpíadas 2016 re- alizadas no Brasil, por exemplo, a Polícia Federal e a Secretaria Extraordinária de Segurança para Grandes Eventos (SESGE) disponibilizaram para funcionários de hotéis, restaurantes, entre outros, um aplicativo para celulares denominado “Vigia”, possibilitando ao usuário rela- tar de forma georreferenciada suspeitas, assim como enviar fotos às autoridades competen- tes (PUFF, 2016).
16 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
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18 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
ACCOUNTABILITY E O CONTROLE FINANCEIRO DAS ATIVIDADES DE INTELIGÊNCIA: uma revisão teórica
Ricardo Farias Galassi *
Resumo
Aproduçãoacadêmicasobrecontroledasatividadesdeinteligênciaestáemfasede desenvolvi- mentonoBrasil.Entretanto,háumgrandefoconocontroledasaçõesdeinteligência, deixando deladoavertentedocontrolefinanceiroouorçamentário.Oobjetivodesteartigoé avançar sobreaproduçãoacadêmicaexistentearespeitodocontroleorçamentário,oufinanceiro, das atividadesdeinteligência.Paraisso,primeiramenteserãorevisadosostemasde accountability, acompatibilidadeentreDemocraciaeServiçosdeInteligência,eaimportânciadocontrole e accountabilityparaessacompatibilidade.Emseguida,seráabordadoocontrolefinanceiro das atividadesdeinteligência,utilizandocomobaseliteraturaestrangeira.Conclui-secom reflexões sobreospossíveiscaminhosaseremseguidosepotencialidadesparapesquisana área.
Introdução
Accountability e transparência são
1
fatores que ganham crescente im- portância conforme ocorre o amadu- recimento democrático de uma nação. Enquanto democracias jovens têm gran- de foco na garantia de eleições justas e livres, de uma ordem institucional e da independência dos Poderes, demo- cracias mais maduras, nas quais esses fatores já estão consolidados, passam a se preocupar com o efetivo contro- le social, o que perpassa pelos aspec- tos de accountability. (DAHL, 2001; O’DONNELL, 1998; CAMPOS, 1990; PINHO; SACRAMENTO, 2009)
O Brasil se encaixa perfeitamente nessa categoria de democracia jovem. Os es- tudos em accountability na Administra- ção Pública ganharam importância nas últimas duas décadas. Assim, a produção acadêmica sobre o assunto tem se multi- plicado, porém não sem deixar brechas e lacunas. Uma dessas lacunas é quanto ao nível de transparência que se deve ter ao lidar com dados estatais protegidos por sigilo. Oavanço nessa área específica tem sido dado a passos lentos, e se baseia em grande parte nos exemplos vindos de outros países e nas lentas e irregulares respostas que a sociedade fornece.
* É Oficial de Inteligência, formado em Engenharia de Produção pela Escola Politécnica da Uni- versidade de São Paulo (Poli/USP) e Mestrando emAdministração Pública pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)

1 Otermoaccountabilityse refere à prestação de contas de um dirigente público à sociedade, com a devida responsabilização pelos atos praticados, e será melhor explorado ao longo do texto.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016 19
Ricardo Farias Galassi
Quando se fala em dados sigilosos, os serviços de inteligência são automati- camente lembrados. Ao contrário de alguma mística criada em obras de fic- ção, com personagens agindo à margem da lei, a atividade de inteligência é um serviço essencial ao Estado, devendo ser pautada pelo profissionalismo e pelo es- trito respeito à Constituição, às garan- tias individuais e à legislação. Assim, os serviços de inteligência em países demo- cráticos devem estar sujeitos às mesmas regras de accountability e transparência que outros órgãos públicos.
Observa-se, portanto, uma aparente contradição. Como serviços de inteli- gência podem garantir accountability e, ao mesmo tempo, manter informações sigilosas protegidas de interesses ad- versos? Uma resposta a essa questão, como será visto mais à frente, passa por controles, interno e externo, que sejam profissionais e independentes, obede- cendo a regras claras estabelecidas em
legislação, e pela publicidade da maior quantidade possível de informação até o ponto que não comprometa a segurança e os interesses nacionais. Isto, porém, não é tarefa fácil, e esbarra em diversos obstáculos, como afirma Cepik (2005).
Além dos problemas comuns de controle democrático que existem em outras áreas de atuação do Estado, também caracte- rizadas por complexidade tecnológica e organizacional, na segurança há tensões e dificuldades específicas que podem ser sintetizadas pela dupla dicotomia segu- rança estatal versus segurança individual e segredo governamental versusdireito à informação. (CEPIK, 2005, p. 68)
Na Imagem 1 a seguir, pode-se ver uma divisão muito clara de como funciona o controle das atividades de inteligência no caso da Agência Brasileira de Inteli- gência (Abin). O controle é classificado quanto à abordagem (controle das ações, ou operacional; e controle orçamentário, ou financeiro) e quanto à localização do órgão de controle (controle interno e
Imagem 1: Controle das atividades de inteligência no Brasil e a produção acadêmica no País

Produção Acadêmica
“Vácuo” de Produção Acadêmica
Fonte: adaptado de http://www.abin.gov.br/
controle externo). O controle interno das ações é exercido pela Câmara de Rela- ções Exteriores e Defesa Nacional (Cre-
den), o controle externo das ações pela Comissão Mista de Controle das Ativi- dades de Inteligência (CCAI), o controle
20 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
Accountability e o controle financeiro das atividades de inteligência: uma revisão teórica
interno orçamentário pela Secretaria de Controle Interno (Ciset), e o controle externo orçamentário pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
Na mesma imagem, sugere-se que exis- te um “vácuo” na produção acadêmica relacionada ao controle das atividades de inteligência, a ser explicada nos pró- ximos parágrafos.
Por serem poucas as linhas de pesquisa, é natural que haja lacunas na produção do conhecimento científico a respeito do tema. A maior parte dos estudos prio- riza, dentro da divisão vista na Imagem 1, o controle das ações de inteligência, especialmente o controle parlamen- tar externo exercido pela CCAI. Muito pouco se produz a respeito do controle dos recursos orçamentários, ou contro- le financeiro, seja interno ou externo.
Trata-se não apenas da obrigação, mas da prática natural e corriqueira, em um órgão público, de prestar contas à sociedade de forma clara, fazendo questão de que seja exercido o controle social de fato, bem como de
seus dirigentes em assumir a responsabilidade pelos atos do órgão público.
A produção acadêmica a respeito de in- teligência é vasta em democracias anti- gas e bem estabelecidas, como Estados Unidos e Reino Unido, porém incipiente em democracias mais jovens. Em muitas dessas democracias, o tema é visto no meio acadêmico como tabu, o que limita tanto o acesso de pesquisadores à infor- mação quanto a validação das pesqui- sas como relevantes no meio científico (BRUNEAU; MATEI, 2010). No Bra- sil não é diferente. Apesar de recentes avanços e com alguns estudiosos se de- bruçando sobre o assunto, são poucas as linhas de pesquisa dedicadas ao tema2 .
Trata-se de elemento essencial para o controle e accountabilityda atividade de inteligência e, consequentemente, para a consolidação democrática. Alguns des- ses recursos financeiros são sigilosos e com regras complexas de fiscalização e controle. Há um grande potencial para pesquisa e melhor compreensão do as- sunto, que se revela instigante.
O objetivo deste artigo é avançar sobre a produção acadêmica existente a respeito do controle orçamentário, ou financeiro, das atividades de inteligência. Para isso, primeiramente serão revisados os temas de accountability, a compatibilidade en- tre democracia e serviços de inteligência, e a importância dos mecanismos de con- trole nesse processo. Em seguida, será abordado o controle financeiro das ati- vidades de inteligência, utilizando como base literatura estrangeira. Conclui-se com reflexões sobre os possíveis cami- nhos a serem seguidos e potencialidades para pesquisa na área.
Accountability
O termo accountability é de difícil tra- dução. Campos (1990), em um período

2 Em consulta ao Diretório dos Grupos de Pesquisa no Brasil do Conselho Nacional de Desen- volvimento Científico e Tecnológico (CNPq) feita em 19 jul. 2016, foram encontrados somente dois grupos de pesquisa dedicados à inteligência de Estado.
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Ricardo Farias Galassi
logo após a redemocratização do Brasil, concluiu que qualquer tentativa de ado- tar um termo equivalente em português poderia resultar em perda do seu sentido original. Trata-se, segundo a autora, de preocupação de democracias e socieda- des avançadas, e o Brasil ainda teria um longo caminho a percorrer para que esse conceito se estabelecesse e fosse pos- sível adotar um termo mais apropriado. Vinte anos depois, partindo do artigo de Campos, a mesma questão foi abordada por Pinho e Sacramento (2009). Os au- tores constataram que “embora muitos passos importantes tenham sido dados em direção à accountability, com criação de novas instituições, fortalecimento ins- titucional em geral, a caminhada prome- te ser longa” (PINHO; SACRAMENTO, 2009, p. 1364).
Apesar de a maioria dos autores seguir essa mesma linha, utilizando o termo accountability sem nenhuma tradução, outros, como Melo (2007), preferem a palavra “responsabilização”. Neste ar- tigo será usado o termo em inglês ac- countability, definido como “a obrigação e a responsabilização de quem ocupa um cargo em prestar contas segundo os pa- râmetros da lei, estando envolvida a pos- sibilidade de ônus” (PINHO; SACRA-
Antes de prosseguir na discussão so- bre accountability através da obra de O’Donnel (1998), cabe uma abordagem sobre o termo “poliarquia”. O termo foi criado pelo renomado autor Robert Dahl e serve para caracterizar países que cum- prem alguns requisitos, os quais levariam em direção à democracia e a seu aper- feiçoamento. O autor achou necessário cunhar um termo diferente de “país de- mocrático” por considerar a democra- cia como algo utópico, algo que deve ser almejado, sempre perseguido, mas que dificilmente será alcançado, dada a imperfeição do ser humano. Além dis- so, incomoda o uso indevido do termo “democracia” por déspotas (a Coreia do Norte, por exemplo, tem por nome ofi- cial “República Popular Democrática da Coreia”). Assim, classifica-se como po- liarquia o país que atende, mesmo que imperfeitamente, a uma série de requisi- tos, que em linhas gerais incluem: gover- nantes eleitos por meio de eleições livres, justas e frequentes; liberdade de expres- são; fontes de informação diversificadas e acessíveis; autonomia para associações; cidadania inclusiva. (DAHL, 2001)
Em seu importante artigo “ Accounta- bility Horizontal e Novas Poliarquias”, O’Donnell (1998) explica como a ac-
MENTO, 2009, p. 1348). Trata-se não countability horizontal3 é fundamental
apenas da obrigação, mas da prática na- tural e corriqueira, em um órgão público, de prestar contas à sociedade de forma clara, fazendo questão de que seja exer- cido o controle social de fato, bem como de seus dirigentes em assumir a respon- sabilidade pelos atos do órgão público.
para consolidação da democracia. Países que passaram por recente processo de democratização, as chamadas novas po- liarquias – nas quais o autor inclui quase toda a América Latina (Brasil inclusive), alguns países do Sudeste Asiático e tam- bém do Leste Europeu – em geral pos-
3 Entende-se por accountability horizontal aquela realizada entre órgãos do próprio Estado. Contrasta com a accountabilityvertical, que é feita pelos cidadãos e eleitores, normalmente por meio de eleições, nas quais aprovam ou desaprovam atuações governamentais.
22 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
Accountability e o controle financeiro das atividades de inteligência: uma revisão teórica
suem satisfatória accountability vertical, pois atendem aos requisitos propostos por Dahl (2001). No entanto, no que se refere à accountability horizontal, esses países geralmente ficam muito aquém das democracias mais consolidadas, onde a preocupação com o assunto é antiga e muitas vezes está inserida na sua cultura democrática. (O’DONNELL, 1998)
E de que forma os países podem desen- volver sua accountability horizontal? A resposta passa necessariamente – em- bora não exclusivamente – pelo forta- lecimento dos mecanismos de controle institucional. Conforme afirmam Pó e Abrucio (2006):
[...] controle e accountabilitynão são si- nônimos, sendo o primeiro um dos com- ponentes do segundo, embora sejam, num regime democrático, indissociavel- mente ligados, porque não há efetivação da accountability sem a utilização de instrumentos institucionais de controle. (PÓ; ABRUCIO, 2006)
Assim, fica claro o raciocínio proposto por O’Donnel (1998): as democracias jovens, ao atingir o status de poliarquias (e este é o caso do Brasil), só conseguem avançar democraticamente desenvolvendo sua ac- countabilityhorizontal, o que implica me- canismos de controle institucional cada vez mais eficientes e autônomos.
[...] para que esse tipo de accountability seja efetivo deve haver agências estatais

autorizadas e dispostas a supervisionar, controlar, retificar e/ou punir ações ilíci- tas de autoridades localizadas em outras agências estatais. As primeiras devem ter não apenas autoridade legal para assim proceder mas também, de fato, autono- mia suficiente com respeito às últimas. Esse é, evidentemente, o velho tema da divisão dos poderes e dos controles
e equilíbrios entre eles. Esses mecanis- mos incluem as instituições clássicas do Executivo, do Legislativo e do Judiciá- rio, mas nas poliarquias contemporâneas também se estende por várias agências de supervisão, como os ombudsmen e as instâncias responsáveis pela fiscalização das prestações de contas. (O’DONNELL, 1998, p. 42-43)
Serviços de Inteligência e Accountability
Um dos aspectos fundamentais de ac- countabilitydiz respeito à transparência e publicidade dos atos legais. Isto gera uma aparente contradição quando se lida com informações sigilosas, as quais são absolutamente necessárias em atividades de Estado como defesa, segurança, di- plomacia, inteligência, entre outras. De fato, quando se começa a lidar com da- dos sigilosos, o estudo de accountability passa a entrar em um campo nebuloso, no qual as regras gerais se aplicam ape- nas parcialmente e adaptações são feitas. Conforme afirma Cepik (2003), a segu- rança nacional não é abordada direta- mente na reflexão sobre accountability
:
[...] a reflexão sobre accountabilityna te- oria democrática contemporânea prefere simplesmente contornar o problema da segurança nacional. De resto, a maior parte do material existente é bastante descritiva e foca apenas os casos nacio- nais mais conhecidos (Estados Unidos, Canadá, Grã Bretanha etc) [...] (CEPIK, 2003, p. 196)
Os serviços de inteligência, em geral, costumam ser vistos como potenciais “perigos” à democracia, e não sem ra- zão, pois a história mostra que, se não houver controle e supervisão externa, tais serviços podem servir a práticas antidemocráticas. Regimes autoritários costumam conceder grandes poderes a
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Ricardo Farias Galassi
seus serviços de inteligência e utilizá- -los para garantir sua sobrevivência. Isto ocorreu, por exemplo, na Stasi (Alema- nha), KGB (URSS), Dina (Chile) e SNI (Brasil). (BRUNEAU; MATEI, 2010)
Ao mesmo tempo, os países não podem prescindir de um serviço de inteligência, sob o risco de verem ameaçados seus interesses e segurança nacionais. Países de democracia antiga e consolidada pas- saram por um processo de longo prazo para estabelecimento gradual de con- troles dos órgãos de inteligência, numa relação complexa de diálogos e con- flitos entre sociedade, Estado e gover- nos. Seus serviços de inteligência foram concebidos e amadurecidos dentro de um ambiente democrático. O que esses países mostram é que a chave para evitar, ou ao menos controlar, o mau uso dos serviços de inteligência consiste no con- trole institucional desses serviços – ou, como visto anteriormente, na accounta- bility horizontal efetiva sobre eles. Isto, no entanto, não é tarefa fácil – trata-se de um processo de longo prazo que en- volve diferentes setores da sociedade.
Países de democracia mais recente, es- pecialmente aqueles onde os serviços de inteligência foram utilizados indevida- mente por regimes autoritários, têm na transformação democrática desses servi- ços um desafio enorme. A apropriação de conhecimento produzido em países e instituições comknow-howno assunto é, portanto, desejável. Instituições como o
Centro Genebrino para o Controle De- mocrático de Forças Armadas (DCAF)4 , a Corporação RAND e o Centro para Relações Civis-Militares (CCMR), ambos mantidos pelos Estados Unidos, e pu- blicações como Studiesin Intelligence, Journal of Intelligence and Counterin- telligenceeIntelligenceandNational Se- curityJournalsão fontes importantes de material sobre o assunto. (BRUNEAU; MATEI, 2010)
Até agora, foi visto de que forma os me- canismos de controle, instrumento fun- damental de accountability horizontal, são importantes para o amadurecimento democrático de novas poliarquias, e que todos esses elementos afetam sobre- maneira os serviços de inteligência. De posse desses conhecimentos, pode-se avançar com maior propriedade sobre o controle financeiro, ou orçamentário, das atividades de inteligência, objetivo inicial deste trabalho.
Controle Financeiro das Atividades de Inteligência
O controle financeiro das atividades de inteligência é um dos aspectos do con- trole da atividade. Como visto na Imagem 1, além do financeiro, há o controle das ações de inteligência, no qual se inse- rem, segundo divisão proposta por Born e Mesevage (2009), três tipos de contro- le: da coleta de informações; do uso de dados pessoais; e do compartilhamento de informações. Este artigo tem foco no controle financeiro especificamente.
4 O DCAF foi fundado em 2000 por iniciativa do governo suíço e hoje conta com 63 países- -membros. O Brasil não é signatário. O centro emprega mais de 150 funcionários de 30 países diferentes e é referência mundial em assuntos de controle de atividades de defesa e inteligência. Seus trabalhos são utilizados para embasar estudos e reformas governamentais em vários países.
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Accountability e o controle financeiro das atividades de inteligência: uma revisão teórica
Como exposto anteriormente, a literatu- ra sobre o tema no Brasil é escassa. Mes- mo no exterior, o tema é geralmente tra- tado dentro das fronteiras do país onde é estudado, não possibilitando a extra- polação das análises. Assim, figura-se muito importante o trabalho produzido por Aidan Wills (2009)5 e publicado pela DCAF em parceria com o Ministério das Relações Exteriores dos Países Baixos.
Wills (2009) cita quatro fatores princi- pais pelos quais o controle financeiro das atividades de inteligência é importante:
res de decisão podem avaliar se os recur- sos empregados na atividade estão tendo o retorno devido à sociedade. Não se pode saber se um órgão de inteligência está gastando bem se não se sabe com o quê ele está gastando.
O terceiro fator se relaciona com a apa- rente contradição entre accountability e sigilo apontada anteriormente. Órgãos com contas totalmente abertas podem receber escrutínio público, o que inclui a imprensa e organizações do terceiro se- tor. Assim, nos casos em que o público


Os princípios de governança demo- crática exigem que os recursos públi- cos passem por rigoroso escrutínio.
Registros financeiros podem forne- cer pistas quanto ao comportamen- to e performance dos serviços de inteligência.
não tem acesso à totalidade das informa- ções financeiras, como nos serviços de inteligência, é especialmente importante que haja órgãos externos de controle com total acesso às informações sigilosas.
O quarto fator pressupõe que algumas peculiaridades relativas aos serviços de inteligência aumentariam a probabilida-
 O secretismo dos serviços de inteli- gência limita o escrutínio público.
 A natureza do trabalho de inteligên- cia incorre em riscos financeiros, in- cluindo o risco de mau uso de recur- sos públicos.
O primeiro fator está relacionado com o que foi discutido anteriormente sobre ac- countability, democracia e instrumentos de controle institucional. Não se pode, em uma democracia moderna, admitir qualquer órgão público agindo sem um devido escrutínio de suas contas.
O segundo diz respeito à avaliação de performance. Somente de posse de in- formações financeiras é que os tomado-
de de mau uso de recursos públicos, o que ressalta ainda mais a necessidade de controle. Entre as peculiaridades men- cionadas pelo autor, vale destacar:
 É difícil imputar valor ao resultado de atividades de inteligência. Por exem- plo, como avaliar o valor de uma informação estratégica que não foi roubada, ou de um atentado terro- rista que não se realizou? Dilemas si- milares ocorrem em atividades como defesa e segurança pública.
 compreensível que informações sensíveis (p.ex., a identidade de um informante que corre risco de mor- te) fiquem restritas ao menor número de pessoas possível, mesmo dentro

5 Tal trabalho baseou boa parte do que será exposto neste capítulo, ressaltando que houve uma análise crítica e validação com obras de outros atores.
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Ricardo Farias Galassi


do próprio serviço. Porém, quanto menor o círculo de conhecimento, maior o risco de mau uso de recur- sos como, por exemplo, a invenção de informantes-fantasma.
Podem surgir conflitos de interesse, pois certas decisões de inteligência são baseadas em critérios intangíveis e sem muito tempo para análise. Isso abre espaço para que fatores como ligações pessoais e confiança na aqui- sição de bens e serviços sejam usa- dos como critério, o que gera risco de favorecimentos.
Algumas operações sigilosas podem acabar gerando ativos e receitas não contabilizadas6. Por isso, órgãos de
nhos significativos em termos de transpa- rência. A aprovação do Legislativo é feita por comissões específicas – em alguns casos pela mesma comissão responsável pelo controle das ações de inteligência e em outros por comissões criadas es- pecificamente para esse fim. Na etapa de execução, é de vital importância que o órgão mantenha registros contábeis detalhados de todos os gastos. A pu- blicação dos relatórios financeiros dire- cionados aos órgãos de controle interno e externo normalmente é feita em duas versões: uma pública, com supressão de informações consideradas sensíveis, e outra sigilosa, com acesso franqueado somente a quem tenha necessidade de conhecer. (WILLS, 2009)
controle devem monitorar não so- mente as despesas, mas também os ativos e receitas.
O ciclo orçamentário de órgãos públicos envolve quatro etapas: 1) elaboração e apresentação; 2) aprovação legislati- va; 3) execução; 4) avaliação e controle (SANCHES, 1993). Os serviços de in- teligência em países democráticos estão sujeitos ao mesmo ciclo, embora este normalmente ocorra de forma paralela e acessado por um público mais restrito, de forma a preservar o sigilo das infor- mações. Em geral, somente são tornados públicos os totais de recursos alocados aos serviços, sem maiores detalhamen- tos. Wills (2009) defende que, na maio- ria dos casos, muito mais informações poderiam ser publicadas, sem prejuízo à segurança nacional dos países e com ga-
Importante papel no controle financei- ro é exercido pelas chamadas Supreme AuditInstitutions (SAI), ou Instituições Superiores de Controle (ISC) utilizando o termo mais comum em portugês. Em alguns países esse órgão tem um modelo de “escritório” ou “autarquia”, como nos Estados Unidos e Reino Unido; outros adotam o modelo de “tribunal”, caso da França e do Brasil, com o Tribunal de Contas da União (TCU). As ISCs são o órgão externo máximo responsável pela avaliação e controle dos órgãos públicos, e isso inclui os serviços de inteligência.
Wills (2009) finaliza sua obra com al- gumas recomendações, as quais chama de “boas práticas”, e que de certa forma sintetizam o que o autor expõe ao longo de todo o trabalho.
6 Por exemplo, na década de 1980, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos (CIA) utilizou fundos gerados a partir do tráfico de armas ao Irã para financiar rebeldes na Nicará- gua. (SKLAR, 1988)
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Accountability e o controle financeiro das atividades de inteligência: uma revisão teórica
Quadro 1: Recomendações de Boas Práticas de Controle Financeiro de Atividades de Inteligência
Orçamentos de serviços de inteligência devem ser abrangentes, incluindo toda sua atividade financeira. A lei deve proibir os serviços de realizar atividades financeiras não incluídas no orçamento.
Governos devem tornar público o maior número de informações possível sobre o orçamento dos serviços de inteligência, até o ponto que não prejudique a segurança pública e a segurança nacional.
Os parlamentos devem fixar regras que digam quais informações financeiras (incluindo orçamentos e relatórios) devem ser tornadas públicas e quais devem permanecer sob sigilo.
Serviços de inteligência devem preparar versões públicas de seus relatórios financeiros contendo o maior número de informações possível.
Serviços de inteligência não devem estar isentos das leis que regulam os controles internos e mecanismos de auditoria nos órgãos públicos.
Se a um serviço de inteligência for permitido desvios ocasionais das leis e regulamentos que regem o uso de recursos públicos, a autoridade a permitir tais desvios deve estar amparada por lei.
A lei deve exigir das ISCs que determinem se os relatórios financeiros dos serviços de inteligência estão justos e precisos, se as transações financeiras estão de acordo com as leis e regulamentos, e se os recursos públicos foram usados de maneira eficiente, agregando valor à sociedade. Para tanto, as ISCs devem ter poder de auditar todos os aspectos da atividade de inteligência, incluindo contas especiais relacionadas a operações sigilosas ou sensíveis.
O Legislativo e as ISCs devem submeter as finanças dos serviços de inteligência ao mesmo nível de escrutínio aplicado aos outros órgãos públicos. O escrutínio deve ocorrer ao longo de todo o ciclo de orçamento, começando na análise das seções sigilosas das propostas de orçamento, até a revisão ex post e auditoria dos registros financeiros.
A lei deve garantir aos órgãos de controle externo acesso a toda a informação que julgarem necessária, esteja essa informação dentro de um órgão de inteligência ou de qualquer outro ente público. Deve haver poderes suficientes para encorajar os órgãos a colaborar.
Os parlamentos e as ISCs devem tomar medidas de proteção e salvaguarda dos conhecimentos classificados a que tiverem acesso. Essas medidas devem garantir que a informação será acessada apenas por quem tem necessidade de conhecer, que terá segurança física e tecnológica e que haja sanções para quem divulgá-las sem autorização.
Membros das comissões parlamentares responsáveis pelo controle financeiro devem ter recursos humanos e tecnológicos suficientes para compreender as finanças dos serviços de inteligência, de modo a conduzir um escrutínio válido.
Os parlamentos devem garantir que as ISCs possuam poderes suficientes, e devem promover a implementação das recomendações das ISCs pelos serviços de inteligência.
Os parlamentos devem garantir que existam ligações entre os órgãos de controle externo, de modo que os resultados de revisões ex post e auditorias possam ser usadas para embasar futuras propostas de orçamento.
Comissões parlamentares responsáveis pelo controle financeiro de serviços de inteligência devem dialogar efetivamente com as ISCs. Isto deve incluir: revisar seus relatórios, realizar reuniões, e garantir que as ISCs possuam poderes e recursos suficientes para auditar os serviços de inteligência.
Os parlamentos e as ISCs têm a responsabilidade de manter a sociedade informada quanto a seu controle sobre os serviços de inteligência. Eles devem preparar versões públicas de suas ações e fazer relatórios periódicos de suas atividades.
Fonte: adaptado de Wills (2009)

Estas recomendações encontram resso- nância nos trabalhos de outros autores. Hannah, O’Brien e Rathmell (2005), bem como Ball, Bouta e Goor (2003), afirmam que as comissões de controle
parlamentares e as ISCs tenham total acesso às informações orçamentárias dos serviços de inteligência. O princípio adotado por Wills (2009) de que toda informação deve ser tornada pública,
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Ricardo Farias Galassi
até o limite de não causar prejuízo à se- gurança nacional, nada mais é que um desdobramento dos princípios de ac- countability e transparência discutidos nos capítulos anteriores.
amplitude. Além dos estudos teóricos, há um enorme potencial, num segun- do momento, para a realização de es- tudos práticos, especialmente quanto à adequação dos órgãos de inteligência e segurança no Brasil aos elementos tidos
O avanço na accountability e transparência dos Serviços de Inteligência contribui para a dispersão de mitos e aumento da confiança nessas instituições, tanto por parte do público em geral quanto pelo próprio governo
Considerações Finais
Este artigo buscou fazer um avanço ini- cial sobre o estudo do controle financei- ro da inteligência, não sem antes fazer uma revisão a respeito dos temas de ac- countability, a compatibilidade entre de- mocracia e serviços de inteligência, e a importância dos mecanismos de controle para essa compatibilidade.
Muito ainda há a ser estudado sobre o tema, tanto em profundidade quanto em
Referências
como referência internacional. Em um terceiro momento, tais estudos podem resultar em diagnósticos e sugestões para o bom controle financeiro das ativi- dades de inteligência.
O avanço na accountability e transpa- rência dos Serviços de Inteligência con- tribui para a dispersão de mitos e au- mento da confiança nessas instituições, tanto por parte do público em geral quanto pelo próprio governo (BRUNE- AU; MATEI, 2010; WILLS, 2009). Isso é especialmente importante no Brasil, cujos Serviços de Inteligência ainda carregam um estigma de terem servido a regimes autoritários, e onde o Estado é visto por grande parcela da população como perdulário e ineficiente. Assim, a busca pelo estado da arte da governan- ça democrática deve ser do interesse da sociedade, dos governos e dos próprios serviços de inteligência.
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OPERAÇÕES ÁGATA NO ARCO SUL DO BRASIL:
uma análise sob a lente da Inteligência
Paulo Ubirajara Mendes *
Resumo
OBrasiltemumaextensafaixadefronteira.Aproblemáticaécomplexa,registrando-se a ocorrênciadediversostiposdeilícitosnessasregiões.Nestecontexto,oMinistérioda De- fesaconcebeuasOperaçõesÁgata,paracombaterosilícitostransfronteiriçose ambientais. Noviéscontrário,ocrimeorganizadoaperfeiçoasuaatuaçãoeseumodusoperandi, dia apósdia.Assim,paraqueasOperaçõesÁgatasejambemsucedidas,éimprescindível o prévioesforçodeInteligênciaeoacompanhamentoduranteafaserepressiva.Este trabalho pretendeanalisarocontextoenvolvido,lançandoabordagemespecíficasobreas atividades ligadasàáreada Inteligência.
1 Considerações Iniciais
Historicamente, as regiões fronteiri- ças do Brasil, mesmo sendo áreas
de valor estratégico, sempre tiveram mo- desta presença do Estado. Tal realidade fez com que se tornassem palco para a ocorrência de diversos tipos de ilícitos. Essas práticas ilegais vêm sofrendo in- cremento, representando ameaça real ao Estado brasileiro. A atividade de Inteli- gência insere-se neste contexto, como ferramenta estatal para atuar no levanta- mento dessas ameaças.
A problemática das fronteiras terrestres do Brasil não é recente. A pouca pre-
sença do Estado nessas áreas, a gran- de extensão da faixa de fronteira ter- restre, muito permeável, com mais de 16.000 quilômetros, moldam a questão.
Em termos comparativos, a fronteira en- tre os Estados Unidos da América e o México tem pouco mais de 3.000 quilô- metros e, a despeito dos vultosos recur- sos empenhados nas atividades de con- trole, lá também são muitos os problemas existentes e ainda não solucionados.
Em 2011, foi concebido o Plano Estraté- gico de Fronteiras1, objetivando ser o do-
* É Tenente-Coronel da ativa do Exército Brasileiro, graduado pela AMAN (1995) e mestre em Operações Militares pela EsAO (2003). Possui o Curso de Altos Estudos Militares da ECEME (2011), especialização em análise de Inteligência pela EsIMEx (2013), sendo também diplo- mado no Curso Superior de Inteligência Estratégica da ESG (2016).

1 O Plano Estratégico de fronteiras foi instituído por intermédio do Decreto n° 7.496, de 08 de junho de 2011, objetivando fortalecer a prevenção, o controle, a fiscalização e a repressão dos delitos praticados na faixa de fronteira brasileira.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016 31
Paulo Ubirajara Mendes
cumento norteador para as atividades de combate aos ilícitos que ocorrem na faixa de fronteira. O citado plano é colocado em execução por intermédio das Ope- rações Sentinela, gerenciadas pelo Mi- nistério da Justiça, e Operações Ágata, coordenadas pelo Ministério da Defesa.
O cenário atual aponta na direção da existência de diferentes ameaças aos Es- tados Nacionais da América do Sul, des- tacando-se a articulação entre facções do crime organizado e movimentos de guerrilha, a ação de máfias, o narcotráfi- co, o tráfico de armas, a imigração ilegal e o contrabando. Tal realidade justifica a
O cenário atual aponta na
direção da existência de diferentes ameaças aos Estados Nacionais da América do Sul, destacando-se a articulação entre facções do crime organizado e movimentos de guerrilha, a ação de máfias, o narcotráfico, o tráfico de armas, a imigração ilegal e o contrabando.
Neste artigo, abordar-se-ão somente aspectos das Operações Ágata realiza- das na Região Sul do Brasil, analisados sob a lente da Inteligência, buscando entender em que medida estão sendo efetivos os planejamentos, bem como as ações já realizadas.
2 A Inteligência Estratégica e as Amea- ças ao Estado Brasileiro
O Brasil insere-se na conjuntura regio- nal da América do Sul, caracterizada por uma complexa gama de agendas políti- cas, envolvendo os setores de segurança e defesa. Neste contexto, o Brasil e os demais países do entorno possuem sé- rios problemas de segurança, os quais dificilmente encontrarão solução de ma- neira autônoma.
necessidade de os países atuarem no ve- tor da Inteligência de Estado, objetivan- do dimensionar as supracitadas ameaças, reduzir as incertezas e permitir as ações de contraposição necessárias.
A Agência Brasileira de Inteligência é o organismo estatal responsável por exe- cutar a Inteligência de Estado no Brasil, conforme previsão constante na Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999:
“Art. 3º Fica criada a Agência Brasileira de Inteligência, órgão da Presidência da República, que, na posição de órgão cen-
tral do Sistema Brasileiro de Inteligência, terá a seu cargo planejar, executar, coor- denar, supervisionar e controlar as ativi- dades de inteligência do País, obedecidas à política e às diretrizes superiormente traçadas nos termos desta Lei”.
Percebe-se, então, que no nível estraté- gico, a atividade de Inteligência de Esta- do deve identificar fatos e situações que representem obstáculos ou oportunida- des aos interesses nacionais.
A temática dos ilícitos transfronteiriços, por estar ligada diretamente à questão da segurança nas fronteiras, acaba por envolver diretamente o estamento da Defesa, que, por intermédio das Ope- rações Ágata, busca superar obstáculos aos interesses nacionais, particularmente àqueles que se constituem em ameaça real ao Estado brasileiro.
32 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016
Operações Ágata no Arco Sul do Brasil: uma análise sob a lente da Inteligência
A Inteligência de Defesa, operacionaliza- da pelo Ministério da Defesa, articula-se por meio do Sistema de Inteligência de Defesa, o qual tem como uma de suas finalidades o gerenciamento do proces- so de produção de conhecimentos, com vistas a amparar o planejamento opera- cional das ações de “guerra” ou “não guerra” das Forças Armadas – caso es- pecífico das Operações Ágata.
Com efeito, o Sistema de Inteligência de Defesa atua no nível operacional, con- feccionando os planos e documentos de Inteligência que irão subsidiar os traba- lhos dos grandes comandos operacio- nais2, primeiro nível de execução efetiva das ações das Operações Ágata.
3 As Operações Ágata no Arco Sul
As Operações Ágata surgiram no contex- to da problemática fronteiriça, constituin- do-se em operações militares de larga escala, episódicas, de caráter repressivo, executadas na modalidade interagên- cias3 e que atuam, com poder de polícia, dentro dos 150 quilômetros delimitados como faixa de fronteira. Na atualidade, tal operação já tem sua efetividade e su- cesso comprovados, conforme atestam diversos relatórios das Forças Armadas, disponíveis nas fontes abertas.
As Operações Ágata e Sentinela, ambas amparadas no Plano Estratégico de Fron- teiras, têm caráter complementar entre si. A Operação Sentinela é coordenada prioritariamente pela Polícia Federal,
tendo caráter permanente e voltado para a investigação de crimes transnacionais, enquanto a Operação Ágata, coordena- da pelo Ministério da Defesa, é episódica e realizada com base em ações ostensi- vas de bloqueio e patrulhamento.
Assim, ambas operações contribuem para o aumento da fiscalização e da sensação de segurança nas fronteiras. Do estudo das citadas operações, observa-se que o caráter episódico das Operações Ágata e os trabalhos de Inteligência nela en- volvidos fornecem alguns dos subsídios necessários para o sucesso das ações permanentes da Operação Sentinela.
3.1 Área do Arco Sul
A linha que baliza as fronteiras terres- tres brasileiras tem um traçado irregu- lar, caracterizado fisicamente por rios e linhas secas. Agregando complexidade à problemática, verifica-se, ainda, uma grande diversidade de biomas e cober- turas vegetais.
Na região Sul do Brasil, a realidade não é diferente. A área faz fronteira com o Uruguai, Argentina e Paraguai; apresentando significativos índices de criminalidade, caracterizados particu- larmente pela prática do contrabando e do tráfico internacional. Nota-se, por- tanto, que a faixa de fronteira da Região Sul do Brasil, doravante denominada Arco Sul, tem características peculiares e complexas, que impactam nos plane- jamentos de Inteligência.
2 As divisões de exército, as brigadas e as artilharias divisionárias constituem os grandes co- mandos operacionais em tempo de paz. (Decreto n° 93.188, de 29 de agosto de 1986)

3 Operações Interagências são aquelas realizadas, na modalidade cooperativa, podendo envolver elementos das Forças Armadas, órgãos de segurança pública e diferentes tipos de agências.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016 33
Paulo Ubirajara Mendes
Figura 1 – Área de Operações do Arco Sul.

A existência de duas tríplices fronteiras, assinaladas pelos municípios de Barra do Quarai, no Rio Grande do Sul e Foz do Iguaçu, no Paraná, tornam ainda mais complexa a realidade dessas áreas, onde a fiscalização é insuficiente ante o grande fluxo de pessoas e produtos.
A fronteira do Brasil com o Uruguai tem aproximadamente 985 quilômetros, des- de a tríplice fronteira Brasil – Argentina - Uruguai até a foz do Arroio Chuí. O trecho seco desta região permite a en- trada, por estradas secundárias, de uma vasta gama de produtos ilegais, tais como agrotóxicos, cigarros, bebidas alcoólicas, drogas, explosivos, armas e munições.
A região de tríplice fronteira entre a Ar- gentina, o Brasil e o Paraguai, situada junto à cidade paranaense de Foz do Iguaçu é área muito sensível, com conso- lidada ação do crime organizado trans- nacional, particularmente no Paraguai. A presença da Usina Binacional de Itaipu, uma das maiores estruturas estratégicas do país, aumenta a sensibilidade da área, que é caracterizada pela grande presen- ça de imigrantes, contínuo fluxo de pro-
dutos oriundos do comércio informal, grande movimentação de cargas e pouca fiscalização em função da elevada circu- lação existente.
A região tem, também, uma economia muito aquecida, com base no setor do tu- rismo e na presença de duas zonas francas – PuertoIguazú, na Argentina e Ciudad delEste, no Paraguai. Prova desta força econômica regional está no fato de que CiudaddelEsteocupa a 3ª posição como maior zona franca do mundo, depois de Miamie HongKong(CURY, 2011).
Nota-se, portanto, que as características da área do Arco Sul, por suas peculiaridades, merecem interesse diferenciado por parte da Inteligência, impondo acurado estudo das vias de transporte, de todos
os modais, com vistas ao posicionamento mais efetivo de bloqueios, pontos de fiscalização e patrulhas.
Em resumo, existem, nos três estados, ci- dades fronteiriças que, tradicionalmente, têm parte considerável de sua estrutura econômica dependente dos recursos ge- rados no comércio internacional (legal e ilegal). Destacam-se, neste contexto as cidades do Chuí, Santana do Livramento e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul e Foz do Iguaçu, no Paraná.
A fronteira de Santa Catarina com a Ar- gentina, em condições de normalidade, não é uma área com forte atuação do crime transnacional. Entretanto, tal re-
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Operações Ágata no Arco Sul do Brasil: uma análise sob a lente da Inteligência
alidade se altera durante as Operações Ágata, devido ao direcionamento focal de ilícitos para esta área, principalmen- te dos produtos ilegais que normalmen- te passam por intermédio do Paraná e do Rio Grande do Sul, regiões que, em razão da maior concentração de tropas, são mais vigiadas pelo vetor militar.
A capilaridade da rede viária no interior de Santa Catarina permite também que os ilícitos possam circular rapidamente, indo na direção da Região Sudeste ou infletindo na direção das capitais dos es- tados da Região Sul.
Nota-se, portanto, que as características da área do Arco Sul, por suas peculia- ridades, merecem interesse diferenciado por parte da Inteligência, impondo acu- rado estudo das vias de transporte, de todos os modais, com vistas ao posicio- namento mais efetivo de bloqueios, pon- tos de fiscalização e patrulhas.
No que tange ao tráfico internacional de drogas, a faixa de fronteira do estado do Paraná com o Paraguai tem uma situação bastante crítica, carecendo que a Inteli- gência dê ao tema a centralidade de que é merecedor. Segundo relatório emitido em 28 de fevereiro de 2012, pela Junta Internacional de Fiscalização de Entor- pecentes, estrutura ligada à Organização das Nações Unidas, aproximadamente “80% da maconha utilizada no Brasil, em 2011, entrou pelo Paraguai”.

Outra informação relevante reside no fato de que o Paraguai é o maior produ- tor de maconha no âmbito da América do Sul e, via de regra, essa droga entra no Brasil pelo Paraná ou Mato Grosso
do Sul. Tal realidade deve ser objeto de acompanhamento da Inteligência, buscando-se agregar e analisar dados de todos os organismos de Inteligência nacionais envolvidos.
Conclui-se então, de forma
parcial, que a área do Arco Sul onde são desenvolvidas
as Operações Ágata possui grande extensão territorial, vasta capilaridade viária, tendo sua permeabilidade como fator de ocorrência de vários ilícitos.
O estreitamento das relações que viabi- lizem efetiva cooperação internacional na área de Inteligência, a exemplo do que a ABIN já faz com o serviço de In- teligência da Argentina e que as Forças Armadas também fazem nas ações de cooperação com o setor militar dos pa- íses vizinhos, ainda não é a tônica em vigor, havendo espaço para o adensa- mento dessas relações.
A criticidade da conjuntura em Foz do Iguaçu justifica a necessidade de priori- zar esforços de Inteligência nessa porção da área de operações. Neste diapasão, a produção de imagens e o uso dos veícu- los aéreos não tripulados, tanto da Força Aérea Brasileira, quanto da Polícia Fede- ral não podem ser desconsiderados.
Conclui-se então, de forma parcial, que a área do Arco Sul onde são desenvolvi- das as Operações Ágata possui grande extensão territorial, vasta capilaridade viária, tendo sua permeabilidade como fator de ocorrência de vários ilícitos.
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Logo, cabe à Inteligência estudar, mape- ar, formular e levantar as possibilidades de ação da criminalidade organizada que atua nesta região.
3.2 Órgãos Envolvidos e sua Participação
Nas Operações Ágata realizadas na Re- gião Sul do Brasil os maiores efetivos envolvidos pertencem ao Exército Bra- sileiro, composto por tropas do Coman- do Militar do Sul, sediado na cidade de Porto Alegre.
em Canoas. As estruturas de Inteligência da Marinha e da Força Aérea também in- tegram os esforços de obtenção, levan- tando dados pertinentes às suas áreas de atuação, tais como o tráfego ilegal de aeronaves, a presença de pistas de pou- so clandestinas e o fluxo de embarcações não cadastradas.
Órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a Agência Brasileira de Inte- ligência é destacada parceira nas Opera- ções Ágata, atuando na coordenação dos
Órgão central do Sistema Brasileiro de Inteligência, a Agência Brasileira de Inteligência é destacada parceira nas Operações Ágata, atuando na coordenação dos demais órgãos do sistema, [...]
O Comando Militar do Sul emprega os elementos operacionais de suas Grandes Unidades4 posicionadas na faixa de fron- teira. Essas Grandes Unidades possuem estruturas de Inteligência que são direta- mente envolvidas nos trabalhos relativos ao esforço de busca e acompanhamento das operações.
A Marinha do Brasil e a Força Aérea Brasileira também participam, com efe- tivos proporcionalmente menores, por intermédio das tropas do 5º Distrito Naval, com sede em Rio Grande, e do 5º Comando Aéreo Regional, com sede
demais órgãos do sistema, por intermédio da presença de seus representantes nos Centros de Operações, bem como pela ação de suas superintendências estaduais, que baseadas em análises especializadas, elaboram Relatórios de Inteligência5 .
Em relação aos órgãos de segurança pú- blica, verifica-se que há relativa participa- ção da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal, polícias militares dos estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná e as respectivas polícias civis que também atuam, porém em menor escala. A modesta participação dessas instituições deve-se à priorização das ações da Operação Sentinela, aos servi- ços de escala, a falta de recursos destina- dos ao custeio de diárias e as atividades inerentes à rotina desses órgãos.
Cumpre destacar que os órgãos de segu- rança pública supracitados participam de maneira pontual, em períodos de tempo pré-estabelecidos e com efetivos redu-
4 Grandes Unidades são organizações militares com capacidade de atuação operacional inde- pendente, integradas por unidades de combate, de apoio ao combate e de apoio logístico.
5 Os Relatórios de Inteligência são documentos externos, padronizados, no qual o analista transmite conhecimentos para usuários de outros organismos de Inteligência, dentro ou fora do SISBIN.
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Operações Ágata no Arco Sul do Brasil: uma análise sob a lente da Inteligência
zidos. Normalmente, tais órgãos deslo- cam um ou dois agentes para os prin- cipais pontos de bloqueio executados pelas tropas do Exército, configurando o trabalho na modalidade interagências e conferindo maior amplitude de amparo legal para as ações empreendidas.
de Inteligência referentes às Operações Ágata, havendo considerável espaço para uma maior integração nesta área.
Outras agências e organismos também atuam em parceria, em todas as fases das Operações Ágata, com destaque para a Receita Federal e o Instituto Bra-
[...] um dos desafios existentes
refere-se ao amadurecimento, formalização e ampliação da integração na área de Inteligência, agregando os bancos de dados dos órgãos de segurança pública, das superintendências da ABIN e dos demais organismos de Inteligência participantes, [...]
Nos planejamentos de Inteligência, e a despeito das dificuldades acima mencio- nadas, a interação das Forças Armadas com os órgãos de segurança pública, nos níveis operacionais e táticos, já ocorre de fato, mas pode ser ainda mais intensa. Atualmente, um dos principais pilares que mantém esta interação não são os documentos normativos, emitidos pelo Ministério da Justiça e Ministério da De- fesa, tampouco os planos previstos, mas sim as excelentes ligações interpessoais desses atores.

Em resumo, nota-se que os órgãos de segurança pública, mesmo dotados de vasta experiência de campo e possui- dores de bancos de dados completos e atualizados sobre tais ilícitos, ainda pou- co participam dos planejamentos prévios
sileiro do Meio Ambiente e dos Recur- sos Naturais Renováveis.
Infere-se, então, que um dos desafios existentes refere-se ao amadurecimento, formalização e ampliação da integração na área de Inteligência, agregando os bancos de dados dos órgãos de segurança pública, das superintendências da ABIN e dos demais organismos de Inteligência participantes, complementando relatórios e até mesmo produzindo conhecimentos de Inteligência em cooperação.
O caminho formal para a integração de fato já está balizado, no âmbito da De- fesa, por intermédio do Manual de Ope- rações Interagências - MD33-M-12, do- cumento expedido por meio da Portaria Normativa nº 513/EMD/MD, de 26 de março de 2008. Para melhor compreen- der em que nível visualiza-se a coopera- ção, vale destacar:
“O processo interagências deve unir os in- teresses de todos os participantes. O pro- jeto, ou contrato de objetivos, ou com- prometimento inicial, ou qualquer outra denominação dada para o primeiro passo na construção e manutenção da coorde- nação interagências, ainda no nível estra- tégico de decisão, deve incluir: atribuições e responsabilidades, prazos e prioridades, padronização de medidas de coordenação e meios e orçamento disponíveis.”
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3.3 Aspectos Operacionais das Ações Repressivas
As Operações Ágata possuem objetivos definidos, destacando-se a neutralização do crime organizado, a redução dos ín- dices de criminalidade, a coordenação do planejamento e execução de opera- ções militares e policiais, a cooperação com os países fronteiriços, a intensifica- ção da presença das Forças Armadas e o apoio à população. Para tanto, os plane- jamentos de Inteligência são realizados com foco na obtenção de resultados que materializem a consecução dos objetivos previamente elencados.
Os planejamentos estratégicos são feitos pelo Ministério da Defesa.
Os comandos das Forças Armadas realizam seus planejamentos no nível operacional.
No nível tático, os grandes comandos operacionais e os órgãos parceiros plane- jam e executam as ações no nível tático. A Inteligência, por necessário, também participa deste processo, permeando os diversos níveis.
Os planejamentos estratégicos de Inte- ligência buscam levantar cenários pros- pectivos, atores antagônicos, tendências e impactos das operações, tanto no cam- po externo quanto no interno.
No nível operacional, a Inteligência atua- liza conhecimentos elaborados e produz novos conhecimentos sobre a área onde ocorrerá a operação, buscando levantar indicadores gerais sobre as ações ilícitas desenvolvidas e quais as possibilidades dos elementos do crime organizado.
No nível tático, os planejamentos de Inteligência são focados no aspecto operativo, buscando levantar locais e horários de maior incidência de práticas ilícitas, localização de depósitos, prin- cipais rotas de tráfico e contrabando, alterações no modusoperandidos cri- minosos, veículos suspeitos, locais de presença de suspeitos e outros dados que possam fornecer apoio prático às tropas e agentes envolvidos.
Durante as Operações Ágata também são executadas as Ações Cívico-Sociais, que buscam fornecer apoio às populações da faixa de
fronteira, por intermédio do desenvolvimento de práticas
de cunho médico e social.
A fase de operações repressivas é carac- terizada pelo desencadeamento simultâ- neo de eventos voltados para a atividade de fiscalização, tais como a montagem de Postos de Bloqueio e Controle de Estradas (designados pela sigla PBCE), em áreas urbanas e rurais, fiscalização de aeródromos, levantamento de pistas de pouso clandestinas, levantamento de portos ou desembarcadouros clandesti- nos, patrulhamento em rios, rodovias e estradas vicinais.
Nestas ações, de caráter tático, são re- alizadas apreensões de produtos ilegais, prisões, vistorias e revistas, caracterizan- do a base dinâmica que proporciona a visibilidade desejável para este tipo de operações. Por vezes, eventos inéditos ocorrem, a exemplo do tiroteio ocorrido em 2015, na região de Salto del Guaíra,
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Operações Ágata no Arco Sul do Brasil: uma análise sob a lente da Inteligência
onde, supostamente, elementos da ma- rinha paraguaia teriam atirado em uma embarcação da Polícia Federal brasileira.
Durante as Operações Ágata também são executadas as Ações Cívico-Sociais, que buscam fornecer apoio às popula- ções da faixa de fronteira, por intermé- dio do desenvolvimento de práticas de cunho médico e social. Essas atividades constituem-se em excelente oportunida- de para a realização de ações de Inteli- gência e Operações Psicológicas6, onde, no contato com a população, podem ser levantados dados relevantes para manter ou reorientar os esforços operacionais.
Nas Ações Cívico-Sociais são realiza- dos atendimentos médico-hospitalares e odontológicos para a população caren- te dos municípios de fronteira. Nestas oportunidades, os militares da área de saúde devem ser orientados e treinados para atuar como sensores de Inteligên- cia de Fontes Humanas, buscando cap- tar impressões e dados relevantes para a operação, a serem consubstanciados em relatórios de final de missão.
Os profissionais de Inteligência podem, também, aproveitar tais ações para rea- lizar missões de busca, cooptar colabo- radores e abrir canais de comunicação com os habitantes locais, apoiados na percepção positiva das atividades junto às comunidades, que criam condições favoráveis para momentos de aproxima- ção e coleta de dados.
3.4 O Crime Organizado
No período da Guerra Fria, o pano de fundo para as preocupações fronteiriças eram as questões de segurança nacional e as ameaças potenciais advindas dos Es- tados vizinhos.
Na atualidade, e seguindo tendência mundial, configura-se a preocupação estatal em proteger aquilo que é es- tabelecido contra tudo aquilo que é marginal, incluindo aí os considerados fluxos indesejáveis.
A percepção de FOUCHER complemen- ta bem o assunto.
“As fronteiras se transformaram em ‘membranas assimétricas’, autorizando a saída, mas protegendo a entrada de indivíduos vindos do outro lado. E con- vém que o Estado interpelado por ter ‘perdido o controle da fronteira’, que nunca havia dominado completamen- te, demonstre sua capacidade de tomar medidas que se imponham para, aí en- tão, restaurar sua autoridade, menos em relação aos segmentos afetados do que aos olhos de seus administrados.” (FOU- CHER, 2009, p.19)
Por outro lado, na contraposição ao controle das fronteiras, está o crime or- ganizado, os grandes contrabandistas e os pequenos contraventores. Este vetor contrário pauta seus planejamentos e ações na eterna busca por burlar os me- canismos de fiscalização estatais.
A análise histórica e serial do modus operandidos traficantes e contrabandis- tas é vital para os trabalhos da Inteligên-

6 As Operações Psicológicas caracterizam-se pelo emprego de técnicas que têm o objetivo de influenciar valores, crenças, emoções, motivações, raciocínio ou comportamentos; sendo usadas para induzir confissões, reforçar atitudes e comportamentos favoráveis aos objetivos do originador.
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cia. Fatores como a diversificação dos modais empregados, a modernização dos veículos, o fácil acesso às tecnolo- gias de comunicação, o largo emprego da informática e o uso em larga escala das redes sociais moldam o desafio dos analistas de Inteligência.
As maneiras de ludibriar os mecanismos de fiscalização são variadas e se modi- ficam na mesma velocidade em que as ações de fiscalização são incrementadas. A Inteligência, nesse contexto, deve se antecipar aos criminosos, mostrando-se pró-ativa e resiliente.
3.5 Aspectos Externos
A problemática de fronteiras e a conse- quente necessidade de aumentar o nível de segurança nessas áreas não são preo- cupações exclusivas do Brasil. Assim, no estudo em tela não podem ser esqueci- dos os atores da vizinhança, seu registro histórico e suas peculiaridades atuais.
O Uruguai, tradicionalmente, é consi- derado um país muito seguro, onde a tranquilidade é o estandarte inclusive em sua capital, Montevidéu. Entretanto, em direção divergente à percepção tradicio- nal, verifica-se que o Uruguai contempla questões que podem impactar direta- mente nos planejamentos de Inteligên- cia do Brasil, merecendo, portanto, um acompanhamento constante.
A “Lei da Maconha”, que legalizou o cultivo, o beneficiamento e a venda da
droga no Uruguai é uma questão crítica que pode motivar o nascimento de um turismo canábico na região.
Em janeiro de 2016, a Argentina decre- tou Estado de Emergência de Segurança Pública, em todo o território, pelo prazo de um ano. O objetivo da medida, se- gundo o presidente Macri, foi “reverter a situação de perigo coletivo criada pelo crime organizado e o narcotráfico”.
Em parcial resumo, verifica-se
que os esforços de Inteligência não podem se resumir ao acompanhamento das atividades do ambiente doméstico. Urge, portanto, voltar os olhos para o entorno estratégico, percebendo a evolução de possíveis ameaças e correlacionando os eventos externos com as ocorrências verificadas no território nacional.
Agravando a complexidade do quadro, a situação paraguaia talvez seja a que mais inspire cuidados por parte das estruturas integrantes do SISBIN, com responsabi- lidade formal sobre a faixa de fronteira.
A sistemática corrupção existente, o in- cremento das ações violentas do Exército do Povo Paraguaio (EPP)7 e da Associa- ção Campesina Armada (ACA)8 e a iden- tificação de ligações entre criminosos
7 O EPP é um grupo insurgente, de orientação marxista-leninista, formado por radicais de es- querda e antigos militantes ligados ao Partido Pátria Livre.
8 AACA é um pequeno grupo guerrilheiro, dissidente do EPP.
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Operações Ágata no Arco Sul do Brasil: uma análise sob a lente da Inteligência
brasileiros integrantes do Primeiro Co- intermédio de coleta e busca. As neces-
mando da Capital9 e guerrilheiros para- sidades e as disponibilidades irão ditar o
guaios são ingredientes potenciais nessa complexa temática.
A cooperação militar brasileira com as forças armadas dos países vizinhos no Arco Sul, nas Operações Ágata, ainda pode ser expandida. Nesta direção, cum- pre lembrar que o Ministério da Defesa já emite convites oficiais no sentido de viabilizar a participação de militares des- ses países, durante as Operações Ágata, na condição de observadores.
Em parcial resumo, verifica-se que os esforços de Inteligência não podem se resumir ao acompanhamento das ativi- dades do ambiente doméstico. Urge, portanto, voltar os olhos para o entorno estratégico, percebendo a evolução de possíveis ameaças e correlacionando os eventos externos com as ocorrências ve- rificadas no território nacional. Para tal, a cooperação militar nos esforços de In- teligência com os países lindeiros é um importante caminho a ser avaliado pelos gestores no nível estratégico.
3.6 As Atividades de Inteligência antes das Ações Repressivas
As análises de Inteligência darão supor- te ao desencadear da operação. A partir de um banco de dados existente, e com foco nos objetivos de Inteligência apre- sentados pelo nível estratégico, os seto- res operacionais e táticos irão aprofun- dar os conhecimentos necessários, por
andamento dos trabalhos.
Este processo não é tarefa isolada e só afeta ao especialista de Inteligência. Para o efetivo sucesso da operação é preciso que os profissionais de Inteli- gência trabalhem de maneira sinérgica com os elementos de operações, atuan- do com base em atitudes cooperativas e de complementaridade.
As deficientes estruturas formais de fis- calização existentes ao longo da faixa de fronteira e os episódios pontuais de corrupção de agentes legais são uma re- alidade. A Inteligência necessita mapear, com antecedência, as alterações no mo- dusoperandi dos criminosos, as áreas onde deve atuar com mais efetividade, deixando em segundo plano as áreas que estão bem gerenciadas e seguras.
As tradicionais e consagradas rotas dos ilícitos devem ser objeto de estudo cri- terioso, pois é em função delas que os fluxos são regulados. Quando do “sufo- camento”10 das rotas tradicionais, ocorre rápida adaptação dos elementos do cri- me organizado, na busca de caminhos alternativos que proporcionem a manu- tenção dos fluxos que atendam as de- mandas existentes.
Quando ocorre a divulgação antecipada da data de início das ações repressivas das Operações Ágata, e isso é comum, os cri- minosos investem também na estocagem dos produtos ilícitos dentro do Brasil.

9 O PCC é uma facção criminosa brasileira nascida no estado de São Paulo. Hoje, já possui articulações em outros estados e até no exterior.
10 Termo atribuído pelo autor para definir que as rotas estão todas bem vigiadas e policiadas.
Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 11, dezembro 2016 41
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Os criminosos, sabendo que o fluxo será reprimido, buscam armazenar os produ- tos ilícitos em depósitos e galpões locali- zados fora dos 150 quilômetros da faixa de fronteira, área onde as ações de fis- calização são realizadas. A proximidade de grandes eventos, a exemplo da Olim- píada, vem servindo de estímulo para o incremento deste modusoperandi, que objetiva montar um estoque regulador, principalmente de drogas ilícitas, ante um provável aumento da demanda.
Nota-se, em curta avaliação, que os planejamentos de Inteligência são vitais para o sucesso das operações. Desafios existem e a dificuldade principal reside em conseguir fazer com que a ativida- de de Inteligência realmente funcione como um sistema seguro, em rede, in- tegrado e flexível.
3.7 As Atividades de Inteligência Duran- te as Ações Repressivas
Após o desencadear das ações repressi- vas, a Inteligência passa a desempenhar o papel de acompanhamento e suporte às operações.
Após encerradas as ações dos vetores atuantes no nível tático, a Inteligência permanece atenta às atividades de des- mobilização e no monitoramento dos re- flexos decorrentes das operações.
No acompanhamento de Inteligência realizado durante as Operações Ágata, avulta de importância a tabulação dos dados indicadores dos resultados obti- dos. A análise especializada de Inteligên- cia, focada nas quantidades e natureza das apreensões, nas prisões realizadas,
nos veículos apreendidos e no fluxo re- gistrado nas vias vão apontar tendências e alterações no perfil dos criminosos, fa- cilitando a reorientação dos esforços do vetor operacional.
Para maximizar resultados, é preciso su- perar diferenças institucionais derivadas das missões singulares de cada um dos órgãos envolvidos.
A confecção de relatórios diários, ma- pas temáticos, mapas de análise de vínculos e outros trabalhos de análise devem compor a rotina de acompanha- mento da Inteligência.
Logo, resta comprovado
que as fronteiras brasileiras
precisam de maior fiscalização, em caráter permanente e não apenas por intermédio
de ações emergenciais.
Durante as operações, a Inteligência deve buscar atuar de maneira proativa nos briefingsdiários realizados entre as agências, levantando aspectos novos e integrando tais novidades com os seus conhecimentos.
A contrainteligência também tem espa- ço nas atividades de acompanhamento, particularmente com o objetivo de iden- tificar ameaças aos agentes empregados, evitar situações que possam causar da- nos à imagem das instituições e proteger os ativos envolvidos.
Nota-se, em parcial apreciação, que as atividades de acompanhamento de Inte- ligência são complexas e extremamente
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Operações Ágata no Arco Sul do Brasil: uma análise sob a lente da Inteligência
dinâmicas, exigindo tirocínio e acurado senso de percepção dos agentes envolvi- dos. A integração efetiva entre os órgãos permanece como característica necessá- ria, à semelhança do que ocorre na fase dos planejamentos.
4 Conclusão
As Operações Ágata no Arco Sul do Bra- sil são parte integrante da realidade con- juntural das cidades brasileiras situadas naquela faixa de fronteira, entretanto, nota-se que, a cada edição, modificações ocorrem no cenário, indicando necessi- dade de continuidade no processo de aprimoramento dessas iniciativas.
Nas operações, ano após ano, verificam- -se outras nuances, novas alterações no modusoperandi do crime organizado, eventos inéditos, validando, ainda mais, a relevância da necessidade do bom fun- cionamento da atividade de Inteligência para o êxito das ações planejadas.
O sucesso das operações realizadas cor- robora com a assertiva de que tais ini- ciativas devem ser mantidas. Logo, resta comprovado que as fronteiras brasileiras precisam de maior fiscalização, em cará- ter permanente e não apenas por inter- médio de ações emergenciais.

Sob o ponto de vista da localização ge- ográfica, pode-se concluir que a faixa de fronteira com o Paraguai, e particular- mente a região de Foz do Iguaçu, é prio- ritária para os esforços da Inteligência, notadamente para que se obtenha efeti- vidade no combate ao tráfico internacio- nal de drogas e armas.
A análise dos resultados obtidos nas Operações Ágata reitera a necessidade de integrar esforços na área de Inteli- gência, desde o nível estratégico até o nível tático, viabilizando a ocorrência de efetiva cooperação entre os ministérios da Justiça, Defesa e a ABIN. Necessário é, também, aproveitar a vasta experiên- cia de campo e a riqueza dos bancos de dados dos órgãos de segurança pública, que ainda participam pouco dos planeja- mentos prévios de Inteligência.
A desejada integração regional entre os países envolvidos buscará obter efetiva cooperação de Inteligência entre as forças armadas, forças policiais e órgãos de fiscalização; [...]
O amadurecimento, a efetivação e a am- pliação da integração na área de Inteli- gência, serão materializados verdadeira- mente quando se conseguir agregar os bancos de dados dos órgãos envolvidos, produzindo, inclusive, conhecimentos de Inteligência na modalidade cooperativa.
No nível das relações exteriores, exis- tem desafios de peso para os encarre- gados do planejamento no nível estra- tégico. Nesta seara, verificou-se que os esforços de Inteligência nas Operações Ágata não podem se resumir ao acom- panhamento das atividades do ambiente doméstico, visualizando-se a necessi- dade de voltar os olhos para nosso en- torno e incrementar o diálogo regional com os países fronteiriços.
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A desejada integração regional entre os países envolvidos buscará obter efetiva cooperação de Inteligência entre as for- ças armadas, forças policiais e órgãos de fiscalização; com vistas a perceber a evolução de possíveis ameaças e se contrapor, com oportunidade, frente às mesmas. O estado final desejado seria obtido por intermédio da realização de ações simultâneas nas fronteiras dos di- ferentes países, materialização do ápice da integração regional.
Por fim, das análises realizadas neste ensaio, foi possível comprovar que as atividades de Inteligência têm ponde- rável parcela de importância no con- texto das Operações Ágata realizadas no Arco Sul, havendo, porém, muito a ser feito para que a segurança desta área tão sensível seja garantida em ní- veis desejáveis e coerentes com o nível de ameaça que tais ilícitos representam para a sociedade brasileira.
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FERRAMENTAS DE INTERPRETAÇÃO DE TEXTOS PARA USO DA INTELIGÊNCIA
Fábio Nogueira de Miranda Filho *
Resumo
AInteligênciaassessoraodecisoremsituações-problemapormeioderelatóriossobreo que defatoaconteceu,eoqueaconteceria.Amaioriadaspistasqueoanalistatemparaelaborar o relatórioédetextos,escritosouorais.Assim,torna-senecessáriosaberanalisareaté desven- darosdadosdequedispõe.ApartirdefundamentosteóricosdaTeoriadoConhecimento, este artigoapresentatrêsferramentasdeinterpretaçãoparausonaInteligênciaeemquais situações aplicá-las:Inferência,baseadanalógicaindutivaededutiva;AnálisedeConteúdo, desdobrada emferramentascomputacionais;eAnáliseDiscursiva,técnicaaindaemevoluçãocom grande perspectivadeauxílioàatividade Inteligência.
Introdução
Serviços de Inteligência (SIs) têm
como finalidade precípua fornecer subsídios ao mandatário do país nos assuntos relativos aos interesses e à se- gurança do Estado e da sociedade, tais como, avaliar ameaças internas e exter- nas à ordem constitucional e à defesa das instituições e dos interesses nacio- nais, antecipar situações danosas e si- nalizar oportunidades que possam ser aproveitadas. Para tal, os SIs dedicam- -se ao trabalho de coleta, análise e or- ganização de informações – de acesso negado ou não – para posterior difusão aos tomadores de decisões.
O analista de Inteligência recebe e ob- tém, sobre determinada situação a ser investigada, um sem-número de informa-
É consenso na comunidade de Inteligência que o assessoramento de maior sucesso é aquele que contém dado(s) negado(s), e também é senso comum que este dado negado deve ser bem
interpretado, caso contrário, perde-se boa oportunidade de prestar assistência ao decisor.
ções que devem ser analisadas e repassa- das, por exemplo, para decisores, outros analistas e outros Órgãos de Inteligência. Estas informações possuem diversas for- mas, como objetos, gravações de som, mapas, fotos, desenhos, gráficos, etc.,

* Bacharel em Ciência da Computação (UFV, MG). Especialização em Gestão Estratégica (UFMG). Mestrando Profissional em Administração (PUC/MG).
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Fábio Nogueira de Miranda Filho
mas, na sua grande maioria, são textos1 . Por texto, entende-se registros escritos e orais. Assim, o analista, ao processar este tipo de informação, precisa inter- pretar, decifrar, enfim, descobrir o que há no texto e por detrás dele. Deve per- seguir as mensagens subliminares, sem, contudo, inventar interpretações. O de- safio se torna maior, pois, pela natureza do trabalho de Inteligência, raramente se pode recorrer ao autor. É consen- so na comunidade de Inteligência que o assessoramento de maior sucesso é aquele que contém dado(s) negado(s)2 , e também é senso comum que este dado negado deve ser bem interpretado, caso contrário, perde-se boa oportunidade de prestar assistência ao decisor.
exagerada em julgamentos prévios, negli- gência na pesquisa de dados ao não privi- legiar pesquisas de longo prazo, falta de validação de métodos e processos para interpretação. Afinal, o inimigo e o tema a ser analisado mudam mais rápido que a estrutura de um SI (KISSINGER, 2004).
Para realizar sua tarefa, o trabalho do analista obedece a um ciclo de ativida- des: a) planejamento e direção; b) coleta de dados (ostensivos ou encobertos); c) processamento; d) produção e aná- lise; e) difusão; e f) resposta (feedback) (NUMERIANO, 2007). Neste ciclo, o analista precisa interpretar textos nas fases de coleta de dados, processamen- to, produção e análise, e difusão, sendo que, nesta última, o próprio analista é o
O ofício da Inteligência precisa
de ferramentas pragmáticas, daí se apodera do melhor de cada técnica sem maiores considerações de ordem ideológica e filosófica. O intuito é desenvolver a arte da interpretação voltada para a Inteligência.
Cooper (2005) afirma que o maior pro- blema da Inteligência americana não está na estrutura e nas autoridades, mas, sim, no método de análise das informações. O autor cita algumas deficiências no tra- balho do analista, em que se destacam aquelas referentes à interpretação: ênfase
autor de um texto. Percebe-se que o tra- tamento errôneo de um elemento com- promete todo esforço empreendido. De modo concreto, o analista se depara com textos para estudar, como, por exemplo, sobre a interferência externa realizada por meio da imprensa, a chamada propa- ganda adversa, ou sobre uma determina- da situação de conflito, em que se deve apresentar causas, identificar atores e in- teresses, além de prever consequências. O analista poderá, ainda, desenvolver ações no sentido de evitar (ou praticar) a técnica de desinformação que significa a manipulação de informações com o fito de induzir um decisor em erro de avalia- ção. Finalmente, o analista poderá agir no sentido de identificar um determina-
1 Segundo estimativas, 90% das informações obtidas por um SI são das chamadas fontes aber- tas (AFONSO, 2006) e estas se caracterizam por serem documentos sem restrição de segu- rança, como registros oficiais e textos da internet e deepweb .
2 Natural vantagem comparativa da Inteligência em relação a outros fluxos de assessoramento.
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Ferramenta de interpretação de textos para o uso da inteligência
do grupo para fins de cooperação (com qualquer comunidade) ou neutralização (de um grupo terrorista).
As falhas da Inteligência são inevitáveis e naturais (HEDLEY, 2005), contudo, o analista tem de estar disposto a cor- rer riscos e aprender com as falhas. O saber da Inteligência não é uma ciência formal como a Física ou a Sociologia, porém, não se abstém de padrões e mé- todos para verificar e explicar a realida- de, bem como (tentar) antever o próximo passo do oponente. Por isso, o método de análise deve evoluir com as ciências cognitivas para aperfeiçoar métodos de validação na construção do conhecimen- to (COOPER, 2005; SINCLAIR, 1984). Em outras palavras, busca-se práticas já testadas para auxiliar na tarefa de inter- pretação dos dados.

Este artigo tem por objetivo apresentar algumas práticas que podem ser mais bem aproveitadas na Inteligência e su- gerir em quais situações estas práticas poderiam ser aplicadas. O ofício da In- teligência precisa de ferramentas prag- máticas, daí se apodera do melhor de cada técnica sem maiores considerações de ordem ideológica e filosófica. O intui- to é desenvolver a arte da interpretação voltada para a Inteligência (MARRIN, 2008). Após esta introdução, o traba- lho expõe os fundamentos teóricos em que se assentam a Inteligência no intuito de introduzir conceitos que servirão de base ao estudo das ferramentas de in- terpretação de textos. Em seguida, estas ferramentas são apresentadas, e culmi- nam nas considerações finais que trazem as implicações deste estudo para a Inteli-
gência e sugestões de temas que possam complementar a pesquisa futuramente.
Fundamentos da Atividade de Inteligência
A atividade do analista de Inteligên- cia tem os seus fundamentos teóricos baseados na Teoria do Conhecimento (Gnosiologia), pertencente à Filosofia. Conhecimento, aqui, é entendido como a representação que um sujeito pensan- te se faz de um objeto (ALVES, 2011). Em outras palavras, conhecer é o ato de tornar um objeto presente à percepção, à imaginação ou à inteligência de uma pessoa. Este conhecimento pode ser: i) Sensível, quando adquirido por meio das sensações, seja a percepção, ato de conhecer intuitivamente um objeto como um todo, ou a imagem, ato de conservar, reproduzir e combinar ima- gens de experiências passadas; e, ii) In- telectual, conhecimento universal sobre o objeto, obtido pelas operações inte- lectuais. Para produzir informações de Inteligência, o analista se vale de ambos os conhecimentos, em especial do Inte- lectual, o qual pressupõe razão objeti- va3, ao passo que o Sensível pressupõe conhecimento subjetivo.
Assim, para produzir conhecimento inte- lectual, a mente realiza três operações: formar conceitos, juízos e inferências (ALVES, 2011). Conceito, também co- nhecido como ideia, é a forma intelectual que exprime o objeto do conhecimento por aquilo que há de comum nos seres. Por exemplo, há muitas mesas de traba- lho, e o conceito dela reúne todas. Esta simples apreensão da inteligência tem sua expressão linguística pelo termo. Por sua
3 A forma correta de entendimento do objeto.
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